Estão lançados os dados para mais uma disputa eleitoral autárquica em Góis. Apresentam-se ao eleitorado três listas: PSD, PS e PCP. Até aqui tudo normal mesmo considerando que a candidatura do PCP é completamente inócua e irrealista, não se percebendo muito bem que objectivos eleitorais persegue este partido numa terra como Góis, apresentando como candidatos pessoas oriundas da cintura industrial de Lisboa. Esta gente sabe onde é Góis? Fica a pergunta.
Analisemos pois as outras duas candidaturas que são as que nos interessam, dado que uma delas vai governar os destinos do Concelho nos próximos quatro anos. Numa primeira abordagem, agora que se conhecem os protagonistas, devemos assumir que estas eleições são completamente diferentes de quaisquer outras que se disputaram no passado.
O PSD apresenta à Câmara Municipal, nos primeiros lugares, três candidatos que vêm directamente da estrutura governativa do PS. São os actuais, vice-presidente, vereadora da cultura e chefe de gabinete do presidente, respectivamente por esta ordem. Não são gente do PSD, nem nunca foram, tendo integrado pelo menos duas eleições vencedoras pelo PS nos mandatos imediatamente anteriores. Para além disso continuam a referir publicamente o facto de não terem abandonado a ideologia socialista, mesmo corporizando agora a candidatura pelo PSD.
Para conhecimento do eleitorado e no sentido de afastar muita da opacidade que envolveu todo o processo político, importa esclarecer como é que esta solução foi estabelecida, ou imposta.
No cerne da questão está uma fractura bem visível nas hostes do PS local, cuja actual direcção, duma forma muito discutível, decidiu afastar muitos dos que se envolveram na última candidatura do Sr. Girão. Como há quatro anos a escolha do líder foi avocada pela distrital do PS e imposta à concelhia da época, (que defendia outro candidato, recorde-se), os “derrotados” da altura decidiram barricar-se numa postura de desafio interno que teve sucesso, na medida em que, desta vez, a actual distrital ratificou e avalizou as escolhas locais.
Este facto, que estreitou claramente a área de suporte político e social do PS, através duma radicalização extemporânea e algo retrógrada, levou este partido a afastar a hipótese de candidatura aos protagonistas do actual poder, que, não tiveram outra alternativa senão procurarem outra força política que lhes permitisse prosseguir.
Estava o PSD ali à mão, sem nada que se visse para ir a jogo, e, portanto bastou estabelecer os contactos e concretizar o acordo. Simples, aparentemente.
Temos assim uma candidatura do PSD, que se apresenta como herdeira do actual poder, baseada numa ideia de renovação e continuidade, e uma candidatura do PS, na posição típica de desafiante, quando de facto ainda é o partido suporte da Câmara em exercício. Ora, isto é a inversão política completa do que deviam ser estas eleições, e está a provocar uma instabilidade social e eleitoral difícil de gerir, por força das ligações cruzadas existentes e do desmoronar de algumas lealdades políticas de longa data.
Para o futuro do concelho, que significado e que consequências pode ter este processo? Será isto mau? Entendemos que não, porque uma revolução tem sempre efeitos benéficos, a par de outros que o não são. Mas é preciso ter consciência da situação, do facto bem evidente de vivermos um período de viragem política e da construção, ou da sua tentativa, de uma nova base de apoio social e governativo para Góis.
Não esqueçamos que o PS leva trinta anos de poder efectivo em Góis, desde 1976, descontados os três anos da AD, entre 1980/2. Pela cadeira do poder, passaram já, por este partido, quatro presidentes. A ilação a retirar da história recente do Concelho é a de que, embora o PS seja o partido socialmente dominante, não o é duma forma absoluta, daí que sempre tenha necessitado e conseguido atrair gente de outras áreas políticas de forma a consolidar projectos autárquicos que se têm revelado vencedores. Saber se isso foi benéfico ou não para Góis, já é outro exercício intelectual e mais da área do combate político. Nós achamos que não, que o balanço não é muito famoso, mas, é só a nossa opinião.
A questão da base de apoio alargado, extravasando o suporte partidário restrito, é pois fulcral em Góis, e a sua efectivação determina a vitória ou a derrota eleitoral. Começa na constituição das listas, continua com o programa e campanha eleitoral, a que acresce a credibilidade que se consegue transmitir e firmar nos compromissos eleitorais internos e externos.
Desde já, são conhecidas as listas, ponto sobre o qual iremos reflectir. Comecemos pelo PSD. Tendo havido uma migração de candidatos e tendo sido objecto de acordo político com a Distrital, não se “discutem” os três primeiros. De facto assim é, porque manda quem pode, e tendo a Comissão Política Concelhia sido completamente afastada do processo decisório por falta de coesão, legitimidade e, essencialmente pela inexistência de qualquer projecto de candidatura própria, válida e consensual, isso não significa que os militantes não sejam informados ou consultados. E não o foram! Aliás em quase dois anos de mandato a Comissão Política não promoveu a realização de qualquer assembleia, o que é contrário aos estatutos do partido, mas também é um erro eleitoral crasso. Em ano de eleições os militantes não se tratam assim.
Portanto, não havendo um processo político partidário devidamente liderado pela Comissão Política do PSD, restava a solução pessoal, concentrando a responsabilidade global no campo decisório do candidato principal. Até isso foi conseguido, tendo-lhe sido adjudicada tal responsabilidade, facto de que podemos dar testemunho, porque nele participámos activamente.
A ideia norteadora era a de alargar o mais possível a base de constituição das listas, promovendo a sua integração por pessoas que, além das ligações partidárias, se afirmassem como representantes da sociedade civil e, não esquecendo a necessidade de dar uma cobertura territorial suficiente à candidatura. Nessa perspectiva, o perfil dos candidatos teria de passar pela competência pessoal e política, vontade de servir o Concelho e por possuírem uma boa imagem social. Com isto pretendia-se alterar a autêntica desgraça que foram as últimas autárquicas que produziram uma Assembleia Municipal e algumas assembleias de freguesia totalmente inoperantes. Alguns dos eleitos, quatro anos depois, ainda não perceberam o que andam ali a fazer! Isto é um facto comprovado, embora desconhecido da maioria dos Goienses, pois pelo seu lado, também têm desprezado olimpicamente qualquer participação cívica nas inúmeras reuniões públicas que se vão realizando durante os mandatos.
Ora, em nossa opinião, nada disto foi conseguido. Em resultado da delegação de competências feita pelo candidato, que se alheou completamente desta problemática, fazendo tábua rasa dos poderes que lhe haviam sido constituídos, acaba de escrever-se mais uma página obscura no PSD de Góis.
Isto porque as pessoas da Comissão Política a quem foi atribuído o poder discricionário de elaboração das listas à Câmara, fizeram-no da forma a que já estamos habituados, aproveitando para regular “contas” recentes e antigas, numa sanha persecutória inesperada e sem sentido, promovendo-se a si, aos amigos e aos familiares, sem cuidar dos aspectos fundamentais da credibilidade eleitoral. Analisem-se as listas e compreenda-se bem o que foi feito. Desta forma o PSD quer ganhar ou perder as eleições? Nós, francamente, não sabemos. Até porque alguns dos que estavam no processo imbuídos de boa-fé e sem pré-condições, foram enxovalhados ou preteridos. Ficaram os “negociantes” que trocam apoios por cargos, os contratantes de acordos subterrâneos e inconfessáveis, que giram à volta dos pequenos e grandes interesses da governação e do orçamento camarários. Cheira a poder e, quando assim é, há sempre gente que atropela tudo e todos.
Por outro lado e a outro nível, abdicar duma capacidade de decisão que se assumiu, com medo de enfrentar as eventuais consequências, deixando cair o poder na rua e permitindo a perseguição e queda dos apoiantes incondicionais é demonstrativo dum tipo de personalidade e duma forma de fazer política que nos desagrada e que não subscrevemos. Em política, como na vida, a coerência, o respeito pelas decisões e pelas pessoas é fundamental. Sabemos que é mais fácil não enfrentar os problemas e deixar para outros a sua resolução, mas não podemos esquecer que são comportamentos destes que minam a credibilidade do poder político e o respeito do Povo pelas instituições.
Temos muita consideração pelas pessoas que integram as listas e esta crítica não envolve a todos, como é evidente. Mas, à sua maior parte temos que dizer que ser autarca não é aparecer de quatro em quatro anos numa qualquer lista de candidatos. Lutar pelo Concelho, é estar “presente todos os dias”, intervir activamente nas questões, ter participação cívica na sociedade civil, conhecer o território e os seus problemas económicos, sociais e de estrutura. Aceitar fazer parte dum grupo, com o qual não se tem qualquer afinidade política, só porque nos afaga o ego, é duma vacuidade e soberba sem tamanho. O povo detecta muito bem estes truques e costuma penalizar fortemente as listas sem credibilidade e coesão políticas. E nós, que sempre pusemos em primeiro lugar o Concelho e a ideologia social-democrata, não podíamos aceitar de ânimo leve estes desmandos, por isso nos afastámos. Porque sempre estivemos com o Povo, que foi completamente arredado das listas em proveito de supostas elites que pouco têm dado à sociedade Goiense, assumimos publicamente as nossas divergências e afastámo-nos do processo principal relativo aos órgãos camarários. Outra coisa são as freguesias, mas já lá iremos.
Agora que tudo está decidido não há mais nada a fazer para alterar a situação. Mas apelamos para que o passado do PSD seja respeitado por esta candidatura. É preciso apresentar um programa eleitoral válido e fazer uma campanha que não envergonhe ninguém. Independentemente do resultado eleitoral, o partido que subscreve a candidatura tem um passado, que não sendo de vitória, é de esforço, realismo e verdade, que deve ser respeitado e engrandecido, na medida que nele está depositado o contributo político e pessoal de muita gente válida do Concelho. Gente que deu a cara algumas vezes em condições bem difíceis e que não se revê em muitas das escolhas que integram esta candidatura, e muito menos se revêem na forma autocrática e abusiva como o processo foi conduzido.
Em abono da verdade, devemos também referir que nos aflige a pouca dedicação que tem sido dada à elaboração do programa eleitoral, sem nenhuma participação exterior e sem a acuidade que a situação do concelho devia merecer. Provavelmente vai aparecer, em cima da hora, um programa feito não se sabe bem por quem nem com que objectivo (se é que ele existe), que ninguém vai ler. Ainda que isto seja um problema transversal de ambos os partidos, entendemos que esta forma de fazer política é desrespeitadora dos eleitores do concelho, e transfere o campo da decisão eleitoral para a área dos aspectos pessoais e subjectivos das listas concorrentes. De facto uma eleição sopesa também estas questões, mas não nos devemos afastar do essencial pois numa vivência democrática os métodos, os princípios e as propostas políticas têm, ou deviam ter, tanto valor como as pessoas.
A solução seguida pelo PS, de auscultar em debates sectoriais as achegas dos eleitores para integração no programa, também se nos afigura algo académica considerando o pouco tempo que medeia para a eleição. Sem dúvida que é um bom princípio de participação democrática, desde que feito com o devido resguardo temporal, mas nunca em tempo de campanha. Agora faz-se campanha, não se procuram alternativas nem acrescentos para o programa eleitoral. A não ser que não se tenha nenhum (!) e isto seja uma espécie de último recurso, mascarado de democracia participativa e exercício de cidadania.
Quanto às listas do PS, elas reflectem essencialmente alguma radicalização partidária e uma deriva à esquerda que, a persistir no futuro, não será benéfica, nem para o partido nem para o Concelho. Mas inclui muita gente válida que, não tendo nem vocação nem participação política activa, não deixa de ser povo de Góis. Esta realidade pode não produzir uma governação ideal, mas eleitoralmente é forte pelo envolvimento do povo anónimo e, tal facto, costuma ser determinante.
Também a candidatura à Câmara, onde pontificam nos lugares principais três funcionários públicos, tal como no PSD, nos deve sugerir alguma reflexão. O trabalho na Câmara Municipal é de gestão de verbas, processos e pessoas, e a falta de participação de alguém com experiência na área privada é uma pecha evidente que deve ser colmatada.
Por outro lado atribuir tudo quanto está errado na actual Câmara aos candidatos do PSD, como vem fazendo algum PS, além de não ser correcto, é eleitoralmente contra-producente. Ninguém deve ter medo de assumir as responsabilidades herdadas do passado, nomeadamente as que são próprias, pois, mal ou bem, há uma história construída e que não se apaga tão facilmente.
Resta-nos as candidaturas às freguesias. Pela análise que fazemos, verifica-se que as listas do PSD são substancialmente melhores do que há quatro anos em todas as freguesias. Aqui, porque se respeitou a diferença, a sociedade civil e o passado, fez-se um bom trabalho que, acreditamos, vai dar frutos políticos substanciais. Quando não se dá voz activa a malabaristas, os resultados aparecem. Eis a prova.
Não sabemos se conseguirão vencer as listas do PS, mas as perspectivas são muito agradáveis para as freguesias de Góis, Alvares e mesmo Vila Nova do Ceira e Colmeal, embora mais difíceis nestas duas últimas. Quanto ao Cadafaz talvez nem haja discussão, dada a supremacia evidente do PSD. Desejamos boa sorte para todos.
Terminamos, não desconhecendo que este texto poderá vir a ser polémico entre os Goienses. Mas atendendo ao nosso passado político, à nossa postura na vida e ao respeito que os nossos eleitores sempre nos mereceram, entendemos dar este contributo e esclarecer algumas dúvidas que, recentemente se têm colocado ao nosso posicionamento político.
Não se trata de mudar de campo nem de camisola. Tão pouco andar atrás de cargos políticos ou benesses eleitorais. Mas não vendemos facilmente a alma ao diabo, porque desde logo, temos muito respeito por nós próprios e pelos princípios políticos e sociais que nos norteiam, hoje como no passado. Também não queremos assumir qualquer posição de suposta superioridade intelectual ou política, o que seria ridículo. No entanto, não esquecendo que somos parte integrante do Povo anónimo e consciente deste Concelho, é justo que reivindiquemos para nós a liberdade de escolha e participação que sempre considerámos nos outros.
Quanto aos apoios eleitorais expressos ou à orientação de voto, que cada um decida de acordo com a sua consciência e livre arbítrio. Pela nossa parte, entendemos que, quando está em causa o futuro imediato do Concelho, isso implica directamente com cada um de nós, sendo uma obrigação cívica a que não nos devemos furtar. Acresce que, considerando os factos, não nos sentimos obrigados a respeitar lealdades partidárias que ninguém pediu. Deste modo, fica evidente que o melhor juiz nesta causa é pois, o nosso próprio, ponderado e livre discernimento.
Góis, 21 de Setembro de 2009
Silvino Simões Martins
in www.jornaldearganil.net
Etiquetas: autárquicas