quarta-feira, 23 de abril de 2008

“Só os pinheiros com sintomas devem ser abatidos”

«Só os pinheiros afectados, que apresentem “sintomas de decadência” serão abatidos». Palavras do assessor do ministro da Agricultura e Pescas, ontem ao Diário de Coimbra. Paulo Delgado garantiu que o Pinhal Interior Norte não vai ser dizimado, apenas vai ficar «sob quarentena», ou seja, sob uma vigilância acrescida dos serviços da Direcção-Geral dos Serviços Florestais. Aquele responsável adiantou ainda que das muitas análises feitas só duas árvores acusaram nemátodo

De acordo com Paulo Delgado, a chamada “doença dos pinheiros” foi detectada em duas árvores, nas zonas da Lousã e Sarzedo, no âmbito das operações de «monitorização e colheitas de rotina» que a Direcção-Geral dos Recursos Florestais (DGRF) tem vindo a fazer, integradas no Programa Nacional de Luta Contra o Nemátodo da Madeira do Pinheiro. Nas análises efectuadas em todo o Pinhal Interior Norte «foram detectadas duas situações positivas», adiantou o assessor de Jaime Silva. Foram, de resto, estas duas situações que levaram o Ministério a tomar um conjunto de medidas, na passada sexta-feira.
Trata-se, adianta aquele responsável, de cumprir as normas ditadas pela Comissão Europeia, uma vez que se está perante um organismo incluído numa lista de agentes patogénicos, que obrigam a tomar especiais medi-
das de protecção. Medidas que, adianta, passam pela criação de uma zona de restrição, que inclui a zona directamente afectada – onde foi detectada a presença de árvores com nemátodo – e ainda uma zona de tampão. A portaria do Governo, de acordo com a informação emanada, na passada sexta-feira, do Ministério da Agricultura, cria uma chamada “zona de restrição”, que inclui a zona afectada – em concreto Sarzedo e Lousã e uma área envolvente que totaliza 6.500 hectares. Em torno desta área vai ser criada uma “zona tampão”, que envolve um raio de mais 20 quilómetros relativamente à zona afectada, e atinge outras freguesias e concelhos, chegando às portas de Coimbra. Nesta faixa de 20 quilómetros, as árvores, apesar de não estarem afectadas, «devem ser objecto de vigilância, sendo abatidos os exemplares que venham a estar infectados».
A «portaria estipula que quando sejam detectados exemplares infectados pelo nemátodo, mesmo fora zona da “zona afectada”, os respectivos proprietários, usufrutuários e rendeiros são notificados para proceder ao seu abate e remoção». Uma obrigação que, continua o documento emanado do gabinete de Jaime Silva, deve ser cumprida no prazo máximo de 10 dias a contar da notificação por parte da DGRF.
Uma informação que, de resto, o ministro reiterou na passada segunda-feira e confirmou ontem, acrescentando que «os proprietários tem a responsabilidade de eliminar a doença na sua exploração» e «sem qualquer compensação financeira por parte do Estado». Uma declaração proferida ontem no Porto, à margem da cerimónia de assinatura de protocolos destinados a proteger a floresta dos incêndios, que acabou por gerar alguns mal entendidos junto de vários organismos ligados à floresta. A falta de informação e esclarecimento leva a que se pense na necessidade técnica de destruir todo o pinhal, no sentido de evitar a contaminação pela doença.

Aos “sintomas
de decadência”
segue-se a notificação

Todavia, não é disso que se trata, garantiu, ontem à tarde, Paulo Delgado ao Diário de Coimbra. «Só serão abatidos os pinheiros que tenham sintomas de decadência», ou seja, que começam a apresentar sinais evidentes de morte, com a copa a manifestar, primeiro, uma tonalidade amarela e, depois, numa fase mais avançada, já castanha. «Serão esses, e só esses, de acordo com o assessor do ministro da Agricultura e Pescas, os pinheiros a abater. «Os proprietários serão notificados e terão de abater a árvore», refere aquele responsável, adiantando que, depois, esta «será analisada», pelo laboratório dos serviços da DGRF, no sentido de confirmar a presença da “doença do pinheiro”. Aquele responsável do Gabinete de Jaime Silva adianta ainda que as análises laboratoriais podem, inclusive, apontar para outra sintomatologia que nada tenha a ver como nemátodo do pinheiro. A monitorização de todo este processo, refere, compete à DGRF. Paulo Delgado considera ainda que este (o abate) é o procedimento normal de qualquer proprietário que, «quando tem um pinheiro seco, procede ao seu abate». A diferença, neste caso, passa por ser notificado nesse sentido e pela realização posterior das análises para despistagem da doença. «Se o pinhal estiver todo verde, não tem de se preocupar», referiu ainda. Aquele responsável não garante, também, que a madeira das árvores atingidas tenha de ser queimada, como tem sido referido. «Em Setúbal, muita dessa madeira foi usada para compostagem», refere, admitindo que possa ter outro tipo de utilização e não tem de ser necessariamente liquidada.
Apesar de não ser técnico, Paulo Delgado esclareceu ainda que a doença dos pinheiros não é “contagiosa”, ou seja, uma árvore contaminada não contamina necessariamente a vizinha. Isto porque a propagação da doença é feita por um micro-organismo, transportado por um insecto (espécie de escaravelho), que ataca a estrutura da árvore e a mata. «Há árvores que podem resistir e outras não», diz, referindo-se às declarações de Jaime Silva, no sentido de que não existe tra-
tamento químico para a praga, oriunda da América do Norte e Canadá.
Questionado relativamente ao facto de os proprietários de Setúbal terem auferido de subsídios para o abate de árvores, Paulo Delgado esclareceu que, na Península de Setúbal, Portugal propôs, em 2006, à União Europeia, para além da “zona de restrição” e “zona tampão”, a criação de uma “cintura de segurança”. Em causa está uma «faixa de contenção fitossanitária», com uma largura de três quilómetros, «onde todas as árvores foram cortadas». Tratou-se de árvores perfeitamente sãs, de cujo abate os proprietários foram indemnizados. Foi, adianta, uma medida extra de segurança, que procurou inviabilizar a passagem do micro-organismo, uma vez que o insecto tem, de acordo com os técnicos, uma capacidade de voo de um quilómetro. «Esta cintura de segurança é que teve apoio e não o abate das árvores infectadas», assegura aquele elemento do gabinete de Jaime Silva. Uma situação que, para já, não está prevista para o Pinhal Interior Norte, uma vez que a “quarentena” apenas envolve os 6.500 hectares nas zonas de Sarzedo e Lousã e os 20 quilómetros de “zona tampão” em redor dessa área afectada.

Afirma a bióloga Helena Freitas

“Doença impossível de controlar”

A bióloga Helena Freitas admitiu ontem que a doença que afecta os pinhais em Arganil e Lousã seja «impossível de controlar». «É uma situação muito grave. Esta é daquelas pragas difíceis, se não mesmo impossível de controlar», declarou a directora do Departamento de Botânica da Universidade de Coimbra.
Helena Freitas, que também é responsável pelo Jardim Botânico da Universidade de Coimbra, adiantou ainda que o nemátodo do pinheiro bravo, «vive no xilene (seiva) e pode matar uma árvore em 15 dias».
O nemátodo tem como vector um escaravelho, que deposita ovos na casca do pinheiro. E o próprio nemátodo, segundo a investigadora, chega a ser «atraído pelos ovos daquele insecto». No entanto, «há uma complexidade de espécies (vegetais e animais) que podem estar associadas» ao transporte e contaminação dos pinheiros pelo nemátodo, acrescentou.
Entretanto, o Laboratório de Nematologia da Universidade de Coimbra (UC) anunciou a realização, de 28 a 30 de Abril, de um curso prático sobre investigação do agente causador da doença do pinheiro.

Serviços Florestais avaliam situação no terreno

«A situação foi identificada na sexta-feira. Havia suspeitas, mas nada concreto e objectivo», afirma António Gravato, responsável da Circunscrição Florestal do Centro, acrescentando que, «a partir do momento que foi identificado nemátodo do pinheiro», foi implementada «pela Direcção-Geral dos Serviços Florestais uma acção no sentido de avaliar a dimensão do problema».
António Gravato reconhece que «fomos apanhados de surpresa», tendo os serviços conhecimento da situação apenas na sexta-feira. Aquele responsável esclarece ainda que há equipas no terreno a analisar a situação e já foram realizadas várias reuniões no sentido de «implementarmos uma estratégia de avaliação do problema». Um processo que começou ainda na sexta-feira, com uma primeira reunião em Lisboa, adiantou, e que tem continuado com vários encontros, a nível regional.
As equipas no terreno estão a fazer a amostragem e despistagem dos casos, num raio de 20 quilómetros a partir do local onde foram detectados os casos, refere ainda aquele responsável, considerando esta triagem prévia necessária para definir, a posteriori, as linhas de orientação a implementar, nomeadamente o esclarecimento junto das entidades e proprietários envolvidos.

Na Lousã

Aflopinhal aguarda informação

Colocada no outro ponto onde foi detectado um foco de nemátodo, na Lousã, está a Aflopinhal – Associação Florestal do Pinhal – que continua à espera de informação. De acordo com Rita Rodrigues, técnica da associação, «fomos todos apanhados desprevenidos, soubemos pela comunicação social», adianta, referindo que, em termos oficiais, apenas lhes foi remetido o comunicado emanado do gabinete do ministro da Agricultura na passada sexta-feira. Posteriormente, «fomos contactados pela Direcção Geral dos Recursos Florestais de Lisboa», organismo que «nos disse que iria enviar alguma informação sobre o nemátodo». «Continuamos a aguardar», adianta Rita Rodrigues, sublinhando que não têm agendada, para já, qualquer reunião com os proprietários da floresta, «porque ainda não sabemos qual é a área a afectada».
A técnica refere ainda que «já vimos, no campo, que havia pinheiros a secar, abatemos alguns e enviámo-los para análise» e os resultados não apontam para a praga do nemátodo, «mas sim para a doença dos anéis vermelhos» que, afirma, não tem nada a ver com a praga de que agora se fala. «Ficámos muito menos preocupados», sublinha. «Neste momento gostaríamos de saber qual eram as áreas afectadas e estamos à espera que seja a Direcção-Geral dos Recursos Florestais a dar-nos essa informação». «Não queremos criar alarmismos, enquanto não soubermos com exactidão quais são as zonas afectadas».
Rita Rodrigues afirma que as árvores afectadas terão de ser cortadas e queimadas no local, o que em seu entender irá acarretar grandes prejuízos. «Se calhar há produtores que vão ficar sem nada», refere, sublinhando que estamos perante uma propriedade de mini e microfúndio, e como tal, «tudo isto tem de ser gerido com especial cuidado».
Enquanto aguarda informação para, então, poder tomar medidas e, sobretudo, esclarecer os proprietários, a Aflopinhal alerta ainda para o facto de «estarmos num processo de certificação da gestão da floresta da Serra da Lousã, que não sei como vai ficar com esta situação». Rita Rodrigues esclarece que se trata de um processo iniciado há cerca de dois anos. «Neste momento já estão todos os estudos feitos, já temos uma primeira auditoria feita e falta a segunda». Este projecto centrado na Serra da Lousã, em área de pinheiro bravo, seria um dos primeiros a nível nacional.

Associação de Baldios do Centro
exige medidas ao Governo
A Associação de Baldios e dos Produtores Florestais do Centro (Sebaldic) emitiu ontem um comunicado onde afirma que o Ministério da Agricultura «acaba de reconhecer a preocupante situação e anuncia já cortes compulsivos de pinhal numa área estimada de 6.500 hectares, enquanto alonga a área de restrições».
Em face disso, a estrutura, coordenada por Isménio Oliveira, exige do Ministério da Agricultura a «imediata planificação e realização de acções de informação» junto de produtores florestais, proprietários e conselhos directivos de baldios, e disponibiliza-se a ajudar nessa tarefa.
O Sebaldic exige ainda «o levantamento criterioso da extensão da praga e das possibilidades desta progredir, para se elaborar um plano de erradicação eficaz». Por outro lado, «antes de se efectuarem cortes de pinhal, «o MADRP e o Governo devem fazer o orçamento de intervenção e devem estabelecer prazos curtos dos pagamentos, quer para indemnizar os produtores e proprietários florestais, os baldios, e ainda pagar às empresas que adjudiquem o corte e a remoção das árvores afectadas». «As acções devem ser criteriosamente identificadas de forma a que o volume de prejuízos não seja potenciada ao limite», adianta ainda. Por outro lado, aquela associação de baldios defende que sejam tomadas «medidas que possam minimizar os efeitos no mercado do pinho em todas as suas vertentes), salvaguardando dentro do possível o valor dos activos existentes na áreas afectadas».
A Associação dos Baldios lembra ainda que «estão por pagar cerca de 2,5 milhões de euros aos produtores florestais de uma vasta região do Sul do país, cujos pinhais foram abatidos há cerca de um ano, precisamente por causa da praga de nemátodo».

Hoje às 18h30

Sarzedo reúne com produtores para os esclarecimentos possíveis

A primeira reunião de esclarecimento aos produtores florestais da zona atingida pelo nemátodo ou doença do pinheiro, realiza-se hoje, pelas 18h30, na União Recreativa Sarzedense. Trata-se de uma iniciativa promovida pela Junta de Freguesia de Sarzedo e pela Associação de Produtores Florestais do Concelho de Arganil, que pretende «sensibilizar as pessoas para o problema» e «acalmá-las relativamente à situação», como faz questão de sublinhar o presidente da Junta de Freguesia.
Sarzedo, é, recorde-se, uma das duas zonas – juntamente com a freguesia da Lousã – sinalizada relativamente à presença do nemátodo.
A situação foi dada a conhecer na passada sexta-feira, através de um comunicado emitido pelo Ministério da Agricultora e Pescas e tem provocado um temor acrescido, tendo em conta a falta de informação e o facto da situação ter apanhado todos desprevenidos.
Hoje, em Sarzedo, a Associação de Produtores e a Junta de Freguesia – ela própria proprietária de um vasto conjunto de pinhais, que estão entregues à exploração da Portucel – pretendem reunir o maior número de produtores e “passar-lhes” a informação de que dispõem. «Praticamente todas as pessoas do Sarzedo têm pinhais e terras na zona da serra», afirma ao presidente da Junta, Fernando Simões, apontando para um número que deverá rondar as três centenas de proprietários. «Há pinheiros a secar por todo o lado», afirma o autarca, também ele preocupado com a situação.
«Pretendemos alertar os proprietários para o que está a acontecer nos nossos pinhais, procurando que não se entre em fobias», adianta, referindo-se às recentes declarações do ministro da tutela, Jaime Silva, que avançou com um prazo de 10 dias para que os proprietários, após notificados, procedam ao abate das respectivas árvores. No entender do presidente da Junta de Freguesia de Sarzedo vive-se um momento de muita confusão, pautado pela falta de informação, facto que está a causar alarme. «Queremos acalmar as pessoas e explicar-lhes o que sabemos», sublinha, confessando que só conhecem o comunicado que o Ministério da Agricultura divulgou na passada sexta-feira. Todavia, o autarca acredita que possa haver mais informação disponível, tendo em conta as diligências que a Câmara de Arganil tem vindo a fazer junto do Governo.
Sobre as notificações, o autarca desconhece que alguém tenha sido notificado e aponta-se a si próprio como exemplo, na dupla qualidade de proprietário e presidente da junta, detentora de vários hectares, que não recebeu, até ontem, qualquer notificação.
Sobre o abate propriamente dito, cuja responsabilidade Jaime Silva imputou aos proprietários, sublinhando que «têm a responsabilidade de eliminar a doença na sua exploração sem qualquer compensação financeira da parte do Estado», o autarca de Sarzedo não se alonga em considerações, uma vez que lhe falta informação, a começar por saber se «os madeireiros querem aceitar esta madeira». Porque a informação “falha” e há falta de esclarecimento, o autarca adiantou ainda, convencido que a detecção de uma árvore implicaria o abate de todo o pinhal envolvente, que «a maior parte das pessoas não tem dinheiro para isso». Por isso alerta para a «necessidade de repensar toda esta estratégia».
«Esclarecer as pessoas e acalmá-las», é, também, a “palavra de ordem” da Associação de Produtores Florestais de Arganil. A população «está a entrar numa situação de quase histerismo», afirma o presidente da associação, Rui Dinis, sublinhando que a zona afectada, na freguesia de Sarzedo, de acordo com as condicionantes da lei, vai «ser bastante fustigada e pode mexer com a economia local». «Não queremos ser alarmistas, por isso temos de fazer uma primeira abordagem e esclarecer a situação, uma vez que Sarzedo é uma das zonas afectadas», afirmou aquele responsável, criticando a «falta de informação e falta de diálogo» que tem marcado, desde a primeira hora, este processo, facto que tem contribuído, em seu entender, para o alarmismo que se está a instalar. «Estamos à espera que a Direcção-Geral dos Recursos Florestais diga alguma cosia», adianta Rui Dinis, sublinhando que «não queremos ser parte do problema, queremos ajudar a resolver o problema». «Estamos muito preocupados e expectantes», remata.
in Diário de Coimbra, de 23/04/2008

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