quarta-feira, 28 de fevereiro de 2007

À beira do fim, uma Beira sem estratégia colocada à margem da margem do país...

Trocaram Keynes por Malthus
Durante as últimas décadas o nosso País e os seus governos têm vindo a marginalizar todo o interior do país, ou melhor, quase todo o interior do país. A correcção deve-se ao facto de existirem, efectivamente, regiões para as quais alguns governos, ironicamente das quais certos primeiros ministros são oriundos - o que, espero(!), nada tenha influenciado - têm olhado de uma forma diferente dotando-as de acessibilidades e incentivos (e mesmo, acessibilidades com incentivos). Existe ainda outra correcção a fazer, e que se prende com as cidades, mesmo as do interior, que receberam uma lufada de ar fresco com o programa Polis. Todo o resto do interior, impossibilitado de competir, tem tentado sobreviver numa luta diária, desgastante e desmotivada, porque inglória.
A cada dia há alguém que parte, que abandona estas regiões cansado de lutar. A cada dia há alguém que fica mais só, resignado ou apenas com força para lutar por mais algum tempo, até que as forças também o abandonem, que ele próprio se abandone e que, por fim, também abandone a sua terra.
A cada dia há uma tradição que é abandonada: dispersos aqueles que as detêm, perdidas ficam elas de tão espalhadas que estão nos últimos andares de um prédio qualquer, numa cidade indiferente. Já ninguém as ama nem defende. Deixaram de fazer sentido, por só o fazerem no grupo social em que nasceram e que obedece a um espaço territorial e cultural que vai deixando de existir.
Coimbra, orgulhosa ex-capital política do reino, tem vindo a perder influência como cidade: de capital passou à terceira cidade do País, e, recentemente algumas foram as cidades que a ultrapassaram (pela esquerda e pela direita) no pódio do orgulho das dimensões.
Coimbra, ex-capital do saber, enclausurada na sombra da sua sapiência, nem reparou que havia perdido o exclusivo do seu lugar ao Sol no panorama universitário do país.
É certo que, nos últimos anos Coimbra se começou a motivar. Espero que a motivação, de que agora se inflama, seja para durar.
Se Coimbra tem sido marginalizada pelo poder central, o interior do distrito tem sido duplamente marginalizado. Pois, além da marginalização que lhe chega pela via da marginalização da sua capital de distrito, tem sido também marginalizada por esta. E os concelhos do interior do distrito, de tão preocupados na resolução dos seus problemas diários na luta diária contra o fim, mendigando esmolas dos governos centrais (exemplo: 20.000 Euros de verba inscrita no PIDAC para o concelho de Góis), têm apenas olhado os seus problemas sem que percebam que estão cada vez com menos peso político e que a sua luta é cada vez menos importante aos olhos dos sucessivos governos, que a ignoram ostensivamente.
Qual a estratégia do governo central para o interior do distrito de Coimbra?
Atendendo às recentes notícias relativas ao fecho de escolas, ao encerramento das urgências nos centros de saúde e sabe-se lá mais o que é que se vão lembrar de fechar (...) a resposta só pode ser uma: desertificar, despovoar, acabar com as populações nesta área. Quem vai ficar a residir em locais onde não existem escolas para os seus filhos ou onde não existe apoio médico durante a noite? Sobretudo em locais onde as vias de acesso são impeditivas de rápidas deslocações e sugerindo-se que os filhos sejam desenraizados das famílias, optando-se por lares residenciais para estudantes? Os sr.s ministros viveriam assim? Educariam nestes territórios os seus filhos? Deixar-se-íam envelhecer numa região sem apoio médico nocturno?
O que é que nos permite continuar a viver no interior?
Longe vai o tempo dos "povoadores". Passaram mais de 800 anos.
Hoje o objectivo é cada vez mais o inverso, numa política quase malthusiana e potenciadora do fim das populações do interior, matando a respectiva cultura, matando o país por dentro, começando-lhe pelo coração: pela gente.
Parece que mais nada importa que não os números, e os números do interior são menos números que outros números.
Surgiram auto-estradas pelo país inteiro (algumas sem portagem) e a E - 342 que esteve em projecto mais de 20 anos. Quem não vê que esta via é uma via estruturante de todo o interior do distrito quer pela possibilidade de ligação à A1, em Condeixa, ou ao IC3 ou IC8 em Espinhal (Penela) beneficiando estes concelhos bem como, sucessivamente, Miranda, Lousã, Góis, V. N. Poiares, Pampilhosa da Serra, Arganil, Tábua, Oliveira do Hospital? Remenda-se a Estrada da Beira, tornando-a mais lenta ainda e não se lhe dá uma alternativa, estrangulando-se e enclausurando-se atrás dela 20 ou 30 mil pessoas.
Metro/comboio de superfície ou simplesmente automotora de Serpins? Numa linha de utilidade pública, que poderia ser um trampolim de toda a região com a chegada a Góis e Arganil, nada se passa a não ser o que se gasta em projectos, concursos, conselhos de administração e comissões estéreis. Mas, este país, quer um TGV para demorar de Lisboa a Coimbra menos tempo que a automotora leva de Coimbra a Serpins. Somos filhos de um Deus menor!
Num ano em que a Assembleia Geral das Nações Unidas o dedica à desertificação nas suas várias vertentes, incluindo a desertificação humana, o nosso país fecha escolas e urgâncias de centros de saúde no interior desertificado, não promove obras como a E-342 (preferindo tapar-lhe alguns dos milhares de buracos que tem), não avança com o Metro de superfície entre Coimbra e Serpins ou mesmo Arganil, optando por soluções diferentes todas as semanas e sempre cada vez mais desprestigiantes de toda esta região e Góis, por exemplo, perde 10% da população em ciclos de 10 anos.
Senti-me ofendido quando o governo atribuiu a Góis 20000 euros de verba para obras inscritas no PIDAC, sinto-me ofendido pelo claro desprezo que é dado a todo o distrito de Coimbra relativamente às acessibilidades, sinto-me ofendido por viver numa região sucessivamente desprestigiada pelo poder central para depois me sentir envergonhado quando este mesmo país defende obras como a OTA ou o TGV num litoral superpovoado, sinto-me envergonhado quando o meu país se arroga títulos de primeiro mundo e eu sou diariamente confrontado com situações de 3.º mundo. Sinto-me descrente num país que assina acordos internacionais de defesa dos direitos do homem e depois os viola de forma o mais encapotada possível não garantindo a acesso à educação e à saúde convenientemente, e potenciando um quase genocídio das populações do interior exterminando a herança cultural e tradições de séculos ou milénios.
É cada vez mais urgente que os pequenos concelhos se unam, pressionem, porque todos unidos farão um número maior, e é de números que o poder central gosta!
Abílio Manuel Bandeira Cardoso
in O Varzeense, de 30/04/2006