domingo, 17 de dezembro de 2006

Louco, de Abílio Bandeira Cardoso

Escreve durante horas a fio...
As palavras? Busca-as nos outros.
Mas são suas!
As suas palavras que busca nos outros!
Prefere escrever na dor...
-“ Na dor, os sentimentos apuram-se”, diz.
Na dor dos outros!
A sua dor? Já não a sente!...
Dela apenas guarda a lembrança.
Então... vive a dor dos outros,
Provoca-a até!
É louco!
Do sangue faz tinta,
“A tinta da vida”, como lhe chama!
E escreve palavras de sangue...
Com o sangue dos outros!
Quando escreve tira-lhes a dor, promete!
Também a sua dor se esgotou no papel
Escrito com a sua tinta da vida.
Esgotou todo o seu sangue
E as suas feridas abertas deitam vazios.
Sempre que escreve sobre si o papel fica branco!
Não sabe se lhe falta tinta ou vida,
Ou ambas as coisas!
É louco!
Escreve então as suas histórias...
Com a história dos outros.
Abre-lhes as feridas latentes
Com a pena espada dos sentidos
E eles dão-lhe a tinta da vida!
E ele escreve...
Horas a fio,
…Dos outros.
É louco!
Talvez um dia a dor do mundo
Fique toda no seu papel
E depois tenha de escrever em branco
Na dor que já só ele recorde...
Como um frasco de perfume
Vazio
Que continua a deitar cheiro…
É louco!

Abílio Bandeira Cardoso

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