domingo, 17 de dezembro de 2006

IVG - Sim. Aborto - Não.

Decorria o início do Século XVII, quando Galileu Galilei enunciou a teoria, aliás já anteriormente sugerida por Copérnico, demonstrando definitivamente a formação base do nosso Sistema Solar, em que o Sol se situa no centro, e explicando também os movimentos da Terra.
Valeu-lhe uma vida de perseguição contínua pela Inquisição que o obrigou mesmo, em 1633, a abjurar das suas teorias.
Algumas hierarquias do cristianismo, felizmente só algumas, continuaram, durante séculos a querer negar as evidências e o progresso da ciência, em nome de qualquer coisa que, afinal, ninguém percebe muito bem o que é.
Nova batalha se prepara, felizmente hoje numa sociedade muito mais evoluída, aberta e democrata, mas na qual, mais uma vez, sectores mais conservadoras da Igreja se começam já a movimentar de forma bem organizada.
Tenho acompanhado, com a assiduidade do costume, a imprensa regional e local da nossa zona, nomeadamente a do interior do distrito de Coimbra, e não resisto a deixar algumas notas sobre o tema que vai dominar os próximos meses da actividade política e social no nosso País: o referendo sobre a Interrupção Voluntária da Gravidez até às 10 semanas, com acompanhamento médico devido e portanto em condições que não ponham em perigo a saúde da própria mulher.
Há uns dias, lia eu num respeitado jornal de Arganil, um artigo em que o seu autor descrevia um debate que terá passado num canal de televisão. Este colunista, referia-se a uma determinada mulher, que provavelmente defenderia a IVG, como "a senhora abortista". Penso mesmo que nunca referiu o seu nome. Apenas a descrevia assim.
A minha luta nesta campanha que se avizinha, será exactamente contra a falta de seriedade, hipocrisia, intolerância e abuso de determinados poderes que inevitavelmente aparecerão. Não aceito, por exemplo, que Padres aproveitem as suas homilias para uma campanha desenfreada e não esclarecedora sobre este assunto. Na celebração de uma Missa, não há o direito do contraditório, e a opinião de um determinado representante da Igreja não é obrigatoriamente a mesma de outros membros desta religião.
Penso que qualquer católico com um mínimo de bom senso concordará comigo se eu aqui disser que não é essa, nunca foi e não tem o direito de ser, a função de acto tão solene como é uma Missa.
É hipocrisia também, fazer crer às pessoas que se está a tentar liberalizar totalmente o aborto. Já li vários artigos, mesmo de pessoas ligadas à Igreja, que tentavam incutir nos leitores menos atentos, essa ideia errada e maldosa.
Melhor seria que estas pessoas se predispusessem a participar noutro tipo de acções de esclarecimento, livres e abertas, em que todas as ideias e convicções pudessem ser expressas e debatidas.
Relembro que existe uma lei sobre este assunto, uma vez que já é permitido à mulher em determinados casos, nomeadamente de violação, recorrer a esta prática até a um período bem mais longo. Não é portanto uma novidade no nosso País.
O que vai estar em causa é tão-somente uma alteração ou reformulação dessa lei, baseada em estudos científicos hoje em dia já aceites em praticamente todas as sociedades modernas. Nem todos os Países já o puseram em prática, é certo, mas é inegável a evolução nesse sentido.
A reformulação desta legislação não vai, obviamente, aumentar os casos de aborto que já se praticam. Vai apenas permitir colocar em igualdade as mulheres que se decidem a um acto hoje só acessível a quem tem dinheiro para o ir fazer a Espanha. Vai igualmente permitir que se passe a fazer de uma forma legal, e portanto nos locais medicamente assistidos, em condições de dignidade, ao contrário do que hoje se faz, às escondidas e em condições muito precárias.
A campanha que se avizinha não será fácil. O PS tomou posição oficial pelo "sim". Pelo seu lado, o PSD preferiu não tomar nenhuma posição, o que aliás não admira muito pois são raras as vezes que consegue tomar posição consistente seja sobre o que for.
Mas é dos sectores mais conservadores da nossa sociedade que virá a maior oposição a este tema. É aqui que todos temos de estar atentos.
Eu sou a favor do progresso. Por isso voto SIM.
Luís Nogueira Ramos
in A Comarca de Arganil, de 12/12/2006