segunda-feira, 27 de novembro de 2006

Meu reino de fantasia... Ou talvez não..., de Abílio Bandeira Cardoso

Perdi-me na noite escura
Ouvi, no breu, soluçar,
Soluços de amargura
Entre as sombras do luar.
Toda a floresta gemia
Solidária com a dor
Raios de lua na noite fria
Raios ténues sem calor
E a dor tudo envolvia
Na luz breve do rumor
Quem chorava eu não via
No luar que se extinguia
Prisioneiro do amor

Eis então que amanheceu
E o choro foi-se extinguindo
E outro lhe sucedeu
Um no outro se confundindo
E queria saber quem chorava
O novo choro, as mesmas penas
Na luz da madrugada
Na luz feita de dor apenas…
Um choro que ía aumentando
Enquanto o outro se extinguia
Um no outro se tocando
Naquela manhã tão fria
Perguntei a um rouxinol
- Rouxinol, quem chora?
Calou-se no despontar do sol.
E, dos choros da aurora,
Ficou apenas um
Que vinha de todo o lado
Sem ser de lugar algum,
Aquele choro magoado!

E durante o dia chorou
E o céu chorou com ele,
Lágrimas do azul brotou
Todo o azul daquele.
O céu ficou cinzento
E todo o cinzento do mar
Ficou azul no momento
Que o céu parou de chorar.
Perguntei ao mar e ao céu
De quem era a agonia
O céu não respondeu
O mar secou uma onda fria.
Uma gaivota que passou
Ao ouvir o soluçar
Com ele também chorou
Afogando-se no mar.

O horizonte ficou vermelho
Assumiu cores de paixão
O choro ficou em espelho
Pois outro surgia, então
E no momento do ocaso,
Quando o dia perde o calor,
Ouviu-se sem algum atraso
Lancinante grito de dor.
E parado o tempo num segundo
Novo grito a ecoar,
Desabando sobre o mundo
O primeiro soluçar.
Uma estrela despontou
E ao ouvir tal dor gemida
Com ela também chorou
E apagou-se de seguida…

Outras estrelas foram surgindo
Chorando como a primeira
Na escuridão se extinguindo,
Apagando a noite inteira…
Só um mocho parecia não chorar
Ante o choro da eternidade
Que não é um, mas um par
De choros duma só saudade
Perguntei-lhe quem chorava
Por todas as noites frias
E quem o choro perpetrava
Nas horas de todos os dias.
Fez um ar inteligente
Assumiu-se narrador
Duma história comovente
Nascida de um grande amor

Quem chora é a Lua,
Espalhando em todo o luar,
Uma dor que não é só sua
Pela terra, céu e mar
Todo o soluçar é de amor,
Espraiando, em lençol,
Lágrimas num luar de dor,
Lágrimas da lua e do sol.
Vivem um amor tão forte,
Em constante despedida
E nem o tempo nem a morte
Apagam a paixão erguida.
Fieis a um amor ausente
Só em dois momentos sem atraso
Se beijam de repente
Ao amanhecer e no ocaso.
Depois gritam a partida
Chorando toda a dor
Lágrimas de toda a vida
Lágrimas dum só amor

Finalmente eu entendia
O choro que escutei
E ao nascer o novo dia
Olhei o céu e chorei…

- Espera mais um pouco,
Que a história não acabou
Nem a dor tampouco,
Neste amor se esgotou…
O choro que tens ouvido…
Nunca o ouviras antes....
Está mais forte e mais sentido,
Eles não choram como amantes.
- Porque choram tão forte , então?
Tal choro… que eu nunca ouvia?
Se não é deles toda a dor…
Porque choram tanta agonia?
-Calma, disse fitando o luar,
Deixando uma lágrima cair,
Começando a soluçar.
-Não te posso omitir…
Eles choram por uma dor igual,
Mas que ainda é maior,
Alguém que, vivo, morre afinal
Por não acreditar no amor.
Baixei o olhar no chão..
(Nem sei o que senti…!!!)
Quando o mocho disse, então
- Eles estão a chorar por ti.

Abílio Bandeira Cardoso


Dedico este poema a todos os que passam em silêncio por este blog. Eu sinto-vos desse lado ...

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