domingo, 26 de novembro de 2006

Fogo de Góis. Crónica do maior incêndio do ano 2000

Em Agosto de 2000, o concelho de Góis foi assolado por um incêndio florestal de grandes proporções, que queimou 4290 ha de floresta e matos. Esta crónica serve de pretexto para reflectir sobre este problema central da nossa floresta.

Nos dias 5 e 6 de Agosto de 2000 ocorreu no concelho de Góis um fogo florestal de grandes proporções. É apenas um, de entre os inúmeros que poderíamos ter escolhido para esta reportagem. Foi, no entanto, o que maior área ardida causou este ano, exactamente 4 290 hectares. Uma visita ao local, mesmo passado todos estes meses, recorda que o que ali se passou não será facilmente esquecido pelas populações. As árvores, essas, continuam lá, negras e esquecidas.

Um foguete…

O Inspector Ilídio Sousa, responsável na altura do fogo pela coordenação das operações, afirma que desde cedo se apercebeu das dimensões devastadoras que este incêndio poderia causar mas, as altas temperaturas, os fortes ventos e a necessidade de acorrer às populações tornaram o combate ao incêndio uma luta difícil. De facto, durante longas horas as chamas incontroláveis rodearam povoações, ameaçando pessoas e bens. Só vinte e quatro horas depois de se ter iniciado o fogo foi dado como controlado. Nos momentos mais críticos chegaram a estar presentes mais de 300 bombeiros, 58 viaturas e diversos meios aéreos.

Em Alvares, uma das povoações mais ameaçadas, a população juntou-se aos bombeiros no combate ao fogo, “para salvar as nossas casas e as nossas coisas” disseram-nos, na altura da tragédia, diversos habitantes. “Vai ser muito difícil deixar tudo como estava antes” foi outra das frases ouvidas.

O fogo teve origem no lançamento de foguetes na pequena aldeia de Simantorta, situada no fundo de um vale e rodeada por floresta. A proibição de lançamento de foguetes a menos de 500 metros de uma área florestal foi, como tantas vezes acontece durante as tradicionais festas populares de Verão, negligenciada. “Acabar com a tradição dos foguetes é algo muito difícil, porque todas as aldeias querem ter um fogo melhor que a aldeia vizinha” - disse-nos um dos moradores.

A dificuldade de acesso ao local, feito por uma estrada onde lado a lado dois carros ligeiros terão dificuldade em passar e, os ventos fortes, rapidamente permitiram o evoluir do incêndio. Assim, por volta das 20h, três horas depois do início do fogo, já este atingia a povoação de Telhada (ver mapa). Às duas da manhã, o fogo prossegue para Alvares. Os bombeiros e meios aéreos, obrigados a combater em várias frentes tem que privilegiar o socorro de pessoas e bens, em detrimento da floresta. Só ao fim da tarde do dia 6, é que o fogo é controlado. Tinham ardido mais de 4 000 hectares, maioritariamente de povoamentos de eucalipto.

Se há alguns anos atrás a falta de meios e de equipamentos era aceitável como justificação para os milhares de hectares de áreas ardidas, hoje em dia, os helicópteros, aviões ligeiros e pesados, auto-tanques de grande capacidade patrulhas terrestres de que os bombeiros foram dotados parecem bastante mais adequados às necessidades de combate ao fogo. Também as campanhas de sensibilização na prevenção dos incêndios têm sido em número crescente nos últimos anos.

Para o Inspector Ilídio Sousa, apesar de serem importantes os meios que os bombeiros têm sido dotados nos últimos anos, a gestão da floresta (ou a falta desta) foi outro dos factores apontado como primordial não só neste como noutros incêndios. “Povoamentos de pinheiro bravo novos, em que houve mobilização do solo e sem vegetação rasteira são clareiras quase intocadas no meio de áreas ardidas” disse o inspector.


As causas

Se neste incêndio a causa imediata foi o lançamento de um foguete a explicação para a área ardida todos os anos em Portugal, não pode ser encontrada apenas nestes incidentes nem nas elevadas temperaturas estivais.

Neste concelho, como em muitas outros da região centro e norte do país, o êxodo rural e a desertificação das aldeias e vilas levaram ao abandono de actividades como a recolha de mato e de caruma para a cama dos animais e para a fertilização das terras. No terreno ficam cargas de material inflamável que facilmente servem de alimento a qualquer foco de incêndio.

A pequena dimensão da propriedade e a sua fragmentação tornam difícil a gestão florestal, não permitindo ao proprietário retirar rendimentos das suas terras, o que leva à incúria e ao abandono. A falta de tradição associativa no nosso país, impede a aglutinação destas áreas sob uma gestão comum, eficaz e proveitosa, que fomente o investimento na floresta.

O Mestre Florestal Eduardo Baeta é um profundo conhecedor da região onde o fogo ocorreu e do pinhal da Região Centro em geral, após uma vida profissional sempre ligada ao terreno e à floresta. Para Eduardo Baeta, que assistiu profissionalmente às últimas décadas de evolução daquelas matas, a falta de gestão é o maior problema e a pequena propriedade a raiz desse problema.

A profunda impressão que os fogos causam deve estimular a reflexão sobre as condições estruturais que os favorecem e sobre soluções eficazes a aplicar.

CRONOLOGIA DE UM FOGO

Sábado 5 de Agosto

15h
Festa na aldeia de Simantorta, com lançamento de foguetes.

17h
Um dos foguetes lançado provoca um pequeno incêndio. O fogo começa as subir as encostas que rodeiam Simantorta. Os difíceis acessos ao local tornam este fogo de difícil controlo.

20h
O incêndio com uma intensidade crecente, ajudado pelo intenso vento norte que se fazia sentir, atinge já a aldeia de Telhada.
Os bombeiros são obrigados a abrandar o combate ao fogo para proteger casas e pessoas.
Meios aéreos (helicopteros, aviões ligeiros e pesados) estão no local para ajudar ao combate.

22h
O fogo atinge a povoação de Fonte Limpa.
Bombeiros de várias corporações do centro e sul do país são deslocados para ajudar no combate ao fogo.

24h
O fogo continua a devastar áreas de mato e de floresta.


Domingo 6 de Agosto

2h
O fogo é já visível de Alvares.

6h
O fogo atinge a povoação de Alvares. Mais de 200 homens e 50 viaturas combatem o fogo.
Durante toda a madrugada o fogo continua a consumir vários centenas de hectares. O vento, as altas temperaturas, a baixa humidade relativa e os díficeis acessos tornam a situação de difícil controlo.

10h
A situação que tinha entretanto acalmado volta a complicar-se devido aos ventos fortes.

19h
A situação está novamente controlada. São tomadas todas as medidas para evitar reacendimentos.
Nesta altura mais de 300 bombeiros estão no local.
Durante toda a noite os bombeiros continuam de prevenção para acautelar eventuais reacendimentos.


Segunda 7 de Agosto

Várias corporações de bombeiros continuam a vigiar toda a área.
Durante a tarde o fogo é considerado extinto e os bombeiros abandonam o local.
in naturlink.pt

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