quinta-feira, 29 de março de 2007

Será que ninguém quer engolir um SAP(o)?

“Isto mete-nos medo!”. Foi desta forma que o presidente da Câmara de Góis, Girão Vitorino (PS), se referiu esta semana – em declarações que me prestou para um artigo – quanto ao encerramento no período nocturno do SAP local. Este é um retracto claro do sentimento das populações esquecidas do Portugal profundo. Medo é o sentimento que as pessoas, os cidadãos, sentem nesta altura, com o Estado que foi criado para as proteger a deixar de querer cumprir a sua missão. A teimosia do ministro Correia de Campos, com o aval do primeiro-ministro, em ir por diante com esta reforma – que eu diria “compulsiva” – do Serviço Nacional de Saúde, vai deixar com muito mais medo as populações esquecidas do interior. Nem que seja por uma questão psicológica, era preferível manter os SAP abertos durante o período nocturno. As populações sentir-se-iam mais seguras e confortáveis. Sejamos claros: não são estes serviços os que mais aniquilam as contas públicas. Veja-se, por exemplo, o caso da RTP que apresentou um prejuízo de 25 milhões de euros o ano passado. A quantos médicos e enfermeiros não daria para pagar esta verba astronómica? O “Dança Comigo” ou as “Paixões Proibidas” é que salvam vidas!?
O argumento principal do ministro para fechar as portas dos SAP – para já no período nocturno – passa pelo facto de um médico que esteja de serviço durante a noite, no dia seguinte não poder atender cerca de 20 doentes. Ou seja, a saúde é cada vez mais vista como uma espécie de linha de montagem onde interessa é produzir em grande quantidade para rentabilizar os custos. O ministro quer lá saber se a ti Maria residente no Colmeal, na Serra do Açor, tem ou não transporte para ir a Coimbra com uma crise de pedras na vesícula, quando podia ter na sede do seu concelho um médico que a tratasse. Quer lá saber se a pobre velha tem ou não dinheiro para pagar a um taxi que a transporte. Ou quer lá saber se os filhos da idosa estão emigrados e ela está só e abandonada no meio da montanha. Isso não importa para nada!
O sentimento de humanismo é algo que não pode ser esquecido nos cuidados de saúde. A verdade é que a saúde é o bem mais precioso que todos temos. Uma conquista do 25 Abril que permitiu uma evidente melhoria dos serviços prestados a toda a população. Serviços de proximidade. A não ser que se queira voltar aos médicos de antigamente que com muito boa vontade iam sulcando montes e vales, a pé ou a cavalo, tratar das feridas físicas e da alma dos pobres coitados que viviam isolados do mundo, mas que demoravam uma noite ou um dia a chegar ao pé dos doentes. Pelos vistos é esse o cenário que nos espera. Àqueles que optaram por ficar “desterrados” no Portugal profundo. Atrás dos encerramentos irão os médicos e os enfermeiros. Não tenhamos ilusões! Será esse o cenário se se persistir neste terrível erro de fechar os SAP nocturnos – para já – sem que sejam criadas efectivas condições alternativas em que as populações não tenham que ter medo por se sentiram abandonadas pelo Estado, para o qual contribuem com sangue, suor e lágrimas ao longo de toda a vida.
Talvez fosse melhor para o ministro engolir um “SAP(o)” enquanto é tempo...
Paulo Leitão
in Diário As Beiras, de 29/03/2007

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2 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Todos nós. que um dia tomámos a decisão de querer teimosamente continuar na terra que sempre adorámos e que nos viu nascer, já estamos convencidos que agora é mesmo assim; só contamos para contribuir para os que habitam nos grandes centros e para os que militam nos conspurcados corredores da política.
Esta é a nossa sina, contribuir com os impostos para que este país vá dando boas estradas aos grandes centros ( a nós dão-nos estradas cheias de curvas e crateras que mais parecem pertencer a uma paisagem lunar), bons médicos e boas condições de saúde aos grandes aglomerados ( a nós que tinhamos simplesmente uma consulta médica ficando espoliados de um simples RX, tiram-nos agora até essa simples consulta médica), bons transportes públicos aos grandes centros ( nós vamos contentando-nos com um simples transporte em autocarro com frequência de passagem e qualidade pertencendo ao terceiro - melhor quarto - mundo).
Mas, na verdade, é esta a nossa sina, até dizermos como o poeta -, BASTA. Há que tomar posição e decidir, de vez, dar a esses "tipos" a reforma abastada com que se vão presentear, mais dia menis dia, uns aos outros quando a sua hora chegar (hora que infelizmente continua a ser muito diferente da hora dos outros contribuintes).
Sempre nos disseram que a Constituição dizia que eramos todos
iguais nos direitos e obrigações.
Vil engano; apenas somos iguais no pagamento.
Está na hora de pagarmos impostos de acordo com os benefícios recebidos. A ser assim ainda nos vão pagar para aqui viver.

José Augusto

29 março, 2007 21:31  
Anonymous Anónimo said...

Ora ora

Ainda não repararam que o nosso querido governo quer poupar nas reformas?
Quanto maior for o número de pessoas (principalmente os idosos) que fique sem assistência médica por longos períodos, mais probabilidades têm de não gozar a vida até ao limite da sua esperança média de vida. Consequentemente, o Estado não será obrigado a pagar as reformas que lhe competiria...

02 abril, 2007 10:28  

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