terça-feira, 5 de dezembro de 2006

O túmulo de D. Luís da Silveira

Continuando à descoberta da vila de Góis avistamos a Igreja Matriz de cujo traçado original quase nada se sabe. Esta construção, datada do século XVI, possui no seu interior o túmulo monumental de D. Luís da Silveira, Conde de Sortelha, senhor de Góis, enchendo de alto a baixo a parede respectiva.
O túmulo compõe-se de três corpos sobrepostos: o soco com os plintos das pilastras com ressalto e anjos sustentando uma cartela; o arco-sólido com a figura orante do conde, baixo-relevo da Assunção, medalhões e um entablamento clássico; enfim, o remate, formando picho com ornatos da Renascença e formas um pouco esguias, que mais deixam entrever a preocupação de alcançar as abóbadas do que uma harmonia perfeita de porporções.
D. Luís da Silveira, de joelhos, barba comprida e ondulada, boca entreaberta, corpo robusto revestido de armadura, elmo e guantes a um lado e as mãos, pequenas mas bem modeladas, postas em oração, é uma das mais impressionantes figuras da nossa estatuária do Renascimento, pelo realismo e nobreza de expressão, digna de emparelhar com as figuras jacentes dos túmulos de Santa Cruz, a que só é inferior no estilo. A decoração dos arcos e das pilastras, frisos e medalhões, (donde as cabeças emergem com uma modelação forte) revelam os primores de desenho e de execução das oficinas de Coimbra no período áureo de 1520-50. Enfim, sob a arquivolta, como num tímpano de portal, paira a Assunção da Virgem, rodeada de anjos numa das mais belas composições deste tema de que Coimbra e todo o vale do Mondego se encheram depois sob a forma de receita em que o mestre aqui não caíra ainda. Numa pilastra as iniciais A.B. são um enigma, noutra a data de 1531 indica o seu acabamento.

A quem atribuir esta obra-prima de escultura medieval?
Por documento publicado, sabe-se que a obra da capela, túmulo e paços novos foi contratada em 1529, e em Lisboa, com Diogo de Castilho, por intermédio de Diogo de Torralva como seu procurador. Por outro lado, o túmulo é em pedra de Ançã e executado indubitavelmente nas oficinas de Coimbra, numa época em que o mestre Nicolau trabalhava em Sintra. De resto, este imaginário, a quem a obra foi atribuída (Teixeira de Carvalho) e Diogo de Castilho, com quem foi contratada, tinham ainda pouco antes, em Coimbra e S. Marcos, seguido a grande tradição medieval francesa - das figuras jacentes - nos túmulos dos reis e dos Silvas. O naturalismo desses mestres preferia a representação do vivo, ajoelhado, à do morto, jacente; e o próprio Chanterene, que modelara orantes em portais (Belém) e retábulos (S. Marcos) nunca os ajoelhou sobre os sarcófagos, como as obras de Coimbra, Évora e Portalegre o confirmam.
Que estatuário modelou, pois, o conde de Sortelha? Dentre os mestres de Coimbra desta época, Udarte é o que está mais próximo do realismo forte deste orante, cuja atitude era então em Espanha (donde Udarte vinha) a preferida. Por outro lado, a única figura ajoelhada que se conhece entre nós (à parte a de Leça do Balio) muito mais tardia, é a estátua tumular de Duarte de Lemos (m. 1533) na Trofa do Vouga, parente dos Silveiras de Góis, e essa modelada a nosso ver inconstestavelmente por Udarte.
Isto quanto respeita à estatuária. Pelo que respeita à composição arquitectónica e decorativa, Castilho ou Torralva, ambos iniciados no Renascimento, poderiam em rigor ter feito o debuxo. Mas o contrato é de facto com Castilho, o desenho da abóbada tem as mais intímas afinidades com outros traçados seus, o modelo tumular repetiu-se nas oficinas de Coimbra (Trofa e Óbidos, encomendados cerca de 1525), num gosto que ele sobretudo dominou durante cerca de meio século. Por outro lado, Torralva que só conhecemos como arquitecto, revela por essa época (Graça de Évora) um gosto arquitectónico tão diferente e estranho, antes de ser um mestre do classicismo, que nos inclinamos a considerar a intervenção de Torralva no contrato do túmulo de Góis como a de um simples procurador de Castilho, como se deduz da sua leitura.
Tal é na evolução da arte em Portugal a importância, não apenas plástica, de si notável, mas histórica do túmulo de Sortelha em Góis, rara figura de orante em um dos tipos de escultura tumular da Renascença.
Fonte: Guia de Portugal

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1 Comments:

Anonymous Anónimo said...

jantar do PS em Cortecega??? Gostava de ser Mosca para saber o que se la vai passar.

05 dezembro, 2006 23:30  

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