segunda-feira, 20 de novembro de 2006

Rosa do Deserto, de Abílio Bandeira Cardoso

Chegamos a uma altura da vida em que não cremos mais em sonhos
A capacidade de sonhar torna-se ela própria um sonho
E desejamos voltar a sonhar
Desejamos voltar a sorrir com o olhar
Desejamos voltar a acreditar
Mas o nosso coração está demasiado ressequido
Ressequido como uma rosa do deserto
Feito de areia seca
Por mãos mais secas ainda
E frito em sol seco

Há alturas da vida em que os nossos ombros cedem
Não têm mais força para aguentar a esperança
Tudo é demasiado enorme para ser suportado
Tudo é demasiado enorme para ser carregado
E cedemos a nós próprios
À única entrega então possível...

Entregamo-nos ao desespero da incapacidade de amar
É a nossa última entrega.

Tudo o que ficou para trás foi luta
Luta pela esperança e pelo amor
E nessa luta só lutamos pelo luto em que nos encontramos

Todos os amores que então nos batem à porta são expulsos
Expulsos pelas feridas do nosso passado
Que expurgam amor
Que expurgam desilusões de amor
Que expurgam
Que expurgam...
Que... Expurgam...
E nesse acto nem sequer reparamos que a felicidade todos os dias nos toca
Todos os dias alguém, que ainda não perdeu a capacidade de sonhar,
Nos sorri com o olhar
Nos pede para acreditar
Nos oferece rosas vivas,
Feitas por mãos vivas,
Criadas com vivo sol...
E nós nem reparamos...
Fechados que estamos no nosso sofrimento...
Enclausurados que estamos na nossa incapacidade de sonhar
E de sermos sonhados

Eu, rosa do deserto ressequida
Feita de sol
À sombra de mãos vivas...
Quero voltar a ser sonho
Quero voltar a sonhar
Quero voltar à vida...

Abílio Bandeira Cardoso

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