A propósito do pinhal português
Pelo menos desde há 7000 anos que o pinheiro-bravo ocorre no nosso território. Os pinheiros têm sido, desde essa época, um recurso presente e disponível, que nem sempre temos gerido da melhor forma.
Os estudos feitos sobre a vegetação existente ao longo dos tempos no nosso território, indicam que antes das glaciações, há 5 milhões de anos, existia no sul da Europa um clima relativamente quente e húmido, em que dominava uma floresta constituída por espécies de folhas permanentes da família das Lauráceas dos quais são exemplo o louro e o vinhático.
No fim do Terciário as glaciações originaram o desaparecimento desta floresta em quase todo o continente europeu. No entanto ela pode ainda ser observada em alguns locais como a ilha da Madeira, onde está classificada como património mundial pela UNESCO.
Face às alterações climáticas as novas espécies adaptaram-se às temperaturas relativamente baixas do Inverno e às secas estivais,. Exemplo destas novas espécies são as matas de folha caduca da família das Fagáceas, como os carvalhos, a faia e o castanheiro.
Estudos paleobotânicos (isto é, estudos sobre as plantas em épocas recuadas) permitiram descobrir a existência de pólens de pinheiro bravo há seis ou sete mil anos. Este facto parece indicar que o pinheiro-bravo está naturalmente presente na floresta que ocupa o território Português pelo menos desde essa altura.
A partir do terceiro milénio antes de Cristo a sedentarização das comunidades veio influenciar o evoluir da vegetação devido à necessidade de pastos para os animais, à queima dos matos e à cultura agrícola cada vez mais necessária para uma população em expansão. As análises dos solos mostram uma quebra dos pólens arbóreos e a sua substituição por pólens de cereais e por matos (giestas, tojos, carquejas e urzes).
Já na Idade Média esta tendência para a diminuição e fragmentação da área florestal mantém-se com o aumento da procura da lenha, carvão, madeira, mel e frutos silvestres e com o uso do fogo necessário à expansão dos terrenos para a pastorícia e agricultura.
O panorama português era, em meados do século XIII, reflexo dessa cada vez maior importância da floresta e dos bens e serviços a ela associados, com uma diminuição da mancha arbórea no norte do país em volta das povoações e áreas cultivadas. Contudo, o gosto dos reis e da nobreza pela caça foi permitindo que na região entre o Douro e o Tejo, a mancha florestal se mantivesse. O sul de Portugal era também bastante afectada pelo pastoreio, pelo arroteamento das terras e, aquando da ocupação árabe, pelo uso dos pinhais alentejanos e algarvios na feitura de embarcações de guerra e mercantes.
Por esta altura, o rei D. Dinis, o Lavrador, numa tentativa de suster o avanço das areias do litoral e de fornecer matéria prima para a construção naval, indústria fomentada pela crescente actividade mercantil e exploratória, decide prosseguir a plantação do pinhal de Leiria, iniciada no reinado anterior por D. Afonso III.
A cada vez maior procura e escassez dos produtos da floresta, leva a que no século XIV o cargo de monteiro, criado por D. Fernando para a administração da caça nas matas reais, se estenda à vigilância do corte de madeira a todo aquele que não for morador ou lavrador de terras próximas.
Com o intensificar do comércio na costa de África, da Europa e com o início da época dos Descobrimentos a exigência por parte da indústria naval de um número crescente de navios impõe-se. D. Fernando em 1377 e D. Afonso V um século mais tarde permitem o corte de madeira de sobreiro, carvalho e pinheiro, em todas as matas, particulares ou régias, para a construção de navios
Também o uso da lenha na indústria do sabão e do vidro e depois, a refinação de açúcar, no século XV e XVI contribuíram para a diminuição acentuada da área ocupada pela floresta.
Em 1494, numa tentativa de contrariar esta tendência, é publicado o primeiro regulamento de reflorestação, que obriga à plantação de um certo número de árvores de determinadas espécies em todos os concelhos, a efectuar nos quatro anos seguintes. Pelo número de perdões emitidos em 1499 a medida não parece ter tido grande sucesso. Em 1565 D. Sebastião ordena, na célebre “Lei das Árvores” que se rearborizem as áreas de baldios ou propriedades privadas de todos os municípios com pinheiro bravo, castanheiros, carvalhos ou outras espécies adaptadas aos solos. Esta lei afirmava a prioridade da plantação de resinosas. Sendo o pinheiro bravo uma espécie de mais rápido crescimento foi semeada preferencialmente ao pinheiro manso e às folhosas.
No final do século XVI o pinhal de Leiria encontra-se sobre-explorado e com fracas capacidades de produção pelo que terá sido mandado replantar por Filipe II de Espanha.
No fim do século XVIII a preocupação com a fixação das areias do litoral para protecção das culturas agrícolas contra os ventos salgados e areias leva ao início da arborização com pinheiro bravo nestes locais.
Nos finais do século XIX inicia-se o projecto de arborização estatal dos baldios serranos, no Gerês e na Estrela e prossegue a arborização das dunas do litoral.
A par do aumento da área de pinhal, a desarborização das folhosas a norte do Tejo, continua, motivada pela sobre exploração para uso doméstico e naval, pela substituição pela cultura da vinha, da oliveira e do milho, ou como no caso do castanheiro, pela doença da “tinta” que dizimou importantes áreas desta espécie.
Verificamos que o cuidado do poder com as medidas de arborização está presente desde o século XVI. No entanto, um dos grandes marcos da evolução da política florestal é a Lei do Regime Florestal de 1901. Este regime fornecia incentivos para que os particulares arborizassem as suas matas e, em caso de interesse público, submetia os terrenos de particulares e das corporações administrativas ao regime florestal. Nesta lei referem-se ainda as preocupações com a conservação do solo e a regularização do regime hídrico, demonstrativas da preocupação com a natureza patente nos silvicultores do início do século, muito antes dos primeiros movimentos ambientalistas.
No Estado Novo renova-se a preocupação com a arborização. A política de florestação dos baldios, ao abrigo do Plano de Povoamento Florestal de 1938, prevê a arborização de mais de 420 000 hectares. Apesar de ficar aquém dos seus objectivos (sendo que em 1970 só estavam arborizados 270 000 hectares), o PPF permitiu a criação da maior área de pinhal contínuo da Europa.
Nesta altura e, segundo dados do Inventário Nacional, revisto já em 2000, a área de floresta atinge os 3 275 000 hectares. Esta área é esmagadoramente privada e de pequena propriedade. As espécies dominantes da floresta portuguesa são o pinheiro bravo com 975 500 hectares, o sobreiro com 730 000 hectares, o eucalipto com 676 500 hectares e a azinheira com 471 000 hectares. Castanheiros, carvalhos e outras folhosas ocupam 275 400 hectares.
A nossa área de pinhal tem actualmente grandes deficiências na gestão florestal. Aos silvicultores de hoje cabe garantir uma continuação feliz desta história.
Se pretende aprofundar o tema sugerimos:
- a colectânea “História Florestal, Aquícola e Cinegética” do Professor Baeta Neves, que pode encontrar na Direcção Geral das Florestas
- o livro “XX Séculos de Floresta em Portugal” da autoria de Maria Radich e António Monteiro Alves.
in naturlink.pt
Os estudos feitos sobre a vegetação existente ao longo dos tempos no nosso território, indicam que antes das glaciações, há 5 milhões de anos, existia no sul da Europa um clima relativamente quente e húmido, em que dominava uma floresta constituída por espécies de folhas permanentes da família das Lauráceas dos quais são exemplo o louro e o vinhático.
No fim do Terciário as glaciações originaram o desaparecimento desta floresta em quase todo o continente europeu. No entanto ela pode ainda ser observada em alguns locais como a ilha da Madeira, onde está classificada como património mundial pela UNESCO.
Face às alterações climáticas as novas espécies adaptaram-se às temperaturas relativamente baixas do Inverno e às secas estivais,. Exemplo destas novas espécies são as matas de folha caduca da família das Fagáceas, como os carvalhos, a faia e o castanheiro.
Estudos paleobotânicos (isto é, estudos sobre as plantas em épocas recuadas) permitiram descobrir a existência de pólens de pinheiro bravo há seis ou sete mil anos. Este facto parece indicar que o pinheiro-bravo está naturalmente presente na floresta que ocupa o território Português pelo menos desde essa altura.
A partir do terceiro milénio antes de Cristo a sedentarização das comunidades veio influenciar o evoluir da vegetação devido à necessidade de pastos para os animais, à queima dos matos e à cultura agrícola cada vez mais necessária para uma população em expansão. As análises dos solos mostram uma quebra dos pólens arbóreos e a sua substituição por pólens de cereais e por matos (giestas, tojos, carquejas e urzes).
Já na Idade Média esta tendência para a diminuição e fragmentação da área florestal mantém-se com o aumento da procura da lenha, carvão, madeira, mel e frutos silvestres e com o uso do fogo necessário à expansão dos terrenos para a pastorícia e agricultura.
O panorama português era, em meados do século XIII, reflexo dessa cada vez maior importância da floresta e dos bens e serviços a ela associados, com uma diminuição da mancha arbórea no norte do país em volta das povoações e áreas cultivadas. Contudo, o gosto dos reis e da nobreza pela caça foi permitindo que na região entre o Douro e o Tejo, a mancha florestal se mantivesse. O sul de Portugal era também bastante afectada pelo pastoreio, pelo arroteamento das terras e, aquando da ocupação árabe, pelo uso dos pinhais alentejanos e algarvios na feitura de embarcações de guerra e mercantes.
Por esta altura, o rei D. Dinis, o Lavrador, numa tentativa de suster o avanço das areias do litoral e de fornecer matéria prima para a construção naval, indústria fomentada pela crescente actividade mercantil e exploratória, decide prosseguir a plantação do pinhal de Leiria, iniciada no reinado anterior por D. Afonso III.
A cada vez maior procura e escassez dos produtos da floresta, leva a que no século XIV o cargo de monteiro, criado por D. Fernando para a administração da caça nas matas reais, se estenda à vigilância do corte de madeira a todo aquele que não for morador ou lavrador de terras próximas.
Com o intensificar do comércio na costa de África, da Europa e com o início da época dos Descobrimentos a exigência por parte da indústria naval de um número crescente de navios impõe-se. D. Fernando em 1377 e D. Afonso V um século mais tarde permitem o corte de madeira de sobreiro, carvalho e pinheiro, em todas as matas, particulares ou régias, para a construção de navios
Também o uso da lenha na indústria do sabão e do vidro e depois, a refinação de açúcar, no século XV e XVI contribuíram para a diminuição acentuada da área ocupada pela floresta.
Em 1494, numa tentativa de contrariar esta tendência, é publicado o primeiro regulamento de reflorestação, que obriga à plantação de um certo número de árvores de determinadas espécies em todos os concelhos, a efectuar nos quatro anos seguintes. Pelo número de perdões emitidos em 1499 a medida não parece ter tido grande sucesso. Em 1565 D. Sebastião ordena, na célebre “Lei das Árvores” que se rearborizem as áreas de baldios ou propriedades privadas de todos os municípios com pinheiro bravo, castanheiros, carvalhos ou outras espécies adaptadas aos solos. Esta lei afirmava a prioridade da plantação de resinosas. Sendo o pinheiro bravo uma espécie de mais rápido crescimento foi semeada preferencialmente ao pinheiro manso e às folhosas.
No final do século XVI o pinhal de Leiria encontra-se sobre-explorado e com fracas capacidades de produção pelo que terá sido mandado replantar por Filipe II de Espanha.
No fim do século XVIII a preocupação com a fixação das areias do litoral para protecção das culturas agrícolas contra os ventos salgados e areias leva ao início da arborização com pinheiro bravo nestes locais.
Nos finais do século XIX inicia-se o projecto de arborização estatal dos baldios serranos, no Gerês e na Estrela e prossegue a arborização das dunas do litoral.
A par do aumento da área de pinhal, a desarborização das folhosas a norte do Tejo, continua, motivada pela sobre exploração para uso doméstico e naval, pela substituição pela cultura da vinha, da oliveira e do milho, ou como no caso do castanheiro, pela doença da “tinta” que dizimou importantes áreas desta espécie.
Verificamos que o cuidado do poder com as medidas de arborização está presente desde o século XVI. No entanto, um dos grandes marcos da evolução da política florestal é a Lei do Regime Florestal de 1901. Este regime fornecia incentivos para que os particulares arborizassem as suas matas e, em caso de interesse público, submetia os terrenos de particulares e das corporações administrativas ao regime florestal. Nesta lei referem-se ainda as preocupações com a conservação do solo e a regularização do regime hídrico, demonstrativas da preocupação com a natureza patente nos silvicultores do início do século, muito antes dos primeiros movimentos ambientalistas.
No Estado Novo renova-se a preocupação com a arborização. A política de florestação dos baldios, ao abrigo do Plano de Povoamento Florestal de 1938, prevê a arborização de mais de 420 000 hectares. Apesar de ficar aquém dos seus objectivos (sendo que em 1970 só estavam arborizados 270 000 hectares), o PPF permitiu a criação da maior área de pinhal contínuo da Europa.
Nesta altura e, segundo dados do Inventário Nacional, revisto já em 2000, a área de floresta atinge os 3 275 000 hectares. Esta área é esmagadoramente privada e de pequena propriedade. As espécies dominantes da floresta portuguesa são o pinheiro bravo com 975 500 hectares, o sobreiro com 730 000 hectares, o eucalipto com 676 500 hectares e a azinheira com 471 000 hectares. Castanheiros, carvalhos e outras folhosas ocupam 275 400 hectares.
A nossa área de pinhal tem actualmente grandes deficiências na gestão florestal. Aos silvicultores de hoje cabe garantir uma continuação feliz desta história.
Se pretende aprofundar o tema sugerimos:
- a colectânea “História Florestal, Aquícola e Cinegética” do Professor Baeta Neves, que pode encontrar na Direcção Geral das Florestas
- o livro “XX Séculos de Floresta em Portugal” da autoria de Maria Radich e António Monteiro Alves.
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Etiquetas: fotografia, pinhal interior norte
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