sábado, 28 de outubro de 2006

ESPERA, de Abílio Bandeira Cardoso

Exponho minhas carnes ao acaso.
Estendo minhas mãos vazias ao nada.
Espero que a chuva traga gotas de desejo,
Dum desejo que nasce no fundo da barriga
Aquece... sobe
E nos toma conta dos sentidos.
Espero que cada gota me caia na pele
E queime...
Como se fossem os teus dedos
Percorrendo meu corpo.
Espero que cada gota me molhe
Como se fosse a tua saliva
Solta na minha boca.
Espero que cada gota me tome
E se junte a outras gotas
Em enchorradas de ti.
Espero que cada gota me salpique,
Após cada embate em mim,
E se transforme em mil pequenas gotas
Que refresquem cada soma de ansiedade.
E espero que venha o sol
E as evapore em neblina ascendente
Pelos vales do meu desespero
Subindo as montanhas da minha solidão
E se condense bem lá no alto
Em humidade nas urzes
Que lhes escorra às raízes
Obrigando-as a florir...
E espero o perfume dessas flores
Arrastado ao vento
Pelo vale da minha inexistência
Enchendo-o de aromas de mim.
Assim saberei que existo
E que as gotas que tocam a minha pele
São reais
E que as mãos que estendo,
Não as estendo ao nada,
Estendo-as aos meus aromas,
Encho-as de mim
Alimentando minhas carnes, expostas
Não ao acaso,
Mas a ti...

Abílio Bandeira Cardoso

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