quinta-feira, 21 de agosto de 2008

“Estórias” de Verão das gentes da Beira-Serra inspiram longa metragem

Coimbra é uma das cidades escolhidas para a exibição do filme “Aquele Querido Mês de Agosto”, última película do realizador Miguel Gomes, inspirada no clima intenso do pico do Verão nas aldeias da Beira Serra.

A longa metragem, gravada em 2006 e 2007 nos concelhos de Arganil, Oliveira do Hospital, Góis, Penacova, Pampilhosa da Serra e Tábua estreia hoje nas salas de cinema Lusomundo Dolce Vita e traz para o grande écran cenas e episódios que, de alguma forma, numa mistura entre documentário e ficção, retratam o buliço que geralmente se vive durante o mês de Agosto e no Verão, explorando o contexto de vida nestes locais espalhados pela serrania. Personagens únicos, velhos costumes, dramas, comédias e a característica música ligeira das festas e romarias foram abordados pelo realizador recorrendo a actores não profissionais, oriundos dos vários locais onde decorreram as filmagens.

Em “Aquele Querido Mês de Agosto”, obra da produtora “O Som e a Fúria”, em co-produção com a produtora/distribuidora francesa Shellac Sud, Miguel Gomes dispensou os actores e procurou nas gentes locais e nas suas histórias o argumento para o seu filme. Inspirado nas suas memórias de adolescência, dos períodos de férias passados em Arganil, o resultado final é um registo onde as vivências dos actores e das personagens se fundem e onde a ficção se confunde com o documental, privilegiando as pessoas e as suas histórias.


Registo da vida na Beira-Serra

“Fazer um filme sobre o que significa estar vivo no coração de Portugal” eis a intenção do realizador. E é desta forma que “Aquele Querido Mês de Agosto é um fiel olhar sobre as gentes da Beira Serra. Captando um ambiente de veraneio, “em que os fogos incendeiam as noites; as procissões religiosas, que os foguetes anunciam, saem à rua; os grupos de música ligeira de Verão errante sobem aos palcos e se retomam os passos de dança que não esquecem e em que as aldeias renascem, vigorosas, durante um mês e voltam a apagar-se”, ganha significado a intenção do realizador em fazer um filme sobre o que significa “estar vivo” no coração de Portugal.

Colocando de lado a hipótese de este ser um filme que pretende retratar e documentar em película o Portugal profundo, Miguel Gomes sublinhou ao “Campeão” que se trata de um filme contextualizado: “Não é uma grande metáfora de Portugal nem pretende sê-lo. Trata sobretudo de relações entre pessoas e com o sítio onde vivem, dos seus sentimentos e emoções. Nesse aspecto, seja na cidade ou no campo, «Aquele Querido Mês de Agosto» tem um lado universal”, explica o realizador.

Hoje em estreia nos cinemas Lusomundo Dolce Vita (Coimbra), Lusomundo Palácio do Gelo Shopping (Viseu), Castello Lopes – Serra Shopping (Covilhã), UCI – El Corte Inglés, King (Lisboa) e UCI – Arrábida (Gaia), “Aquele Querido Mês de Agosto” dá a conhecer a história e as “estórias” das aldeias retratadas. Em vários concelhos da região centro, no casario perdido na serrania, o argumento vai sendo completado à medida que os actores – transformados em personagens num enredo que é a sua própria história – partilham com o público as suas vivências.

Verdadeiro e real, da mesma forma que põe a nu os humores e os percalços da equipa de realização, a segunda longa metragem de Miguel Gomes chega às salas de cinema, enquanto produto acabado, como uma perspectiva da realidade vivida durante o mês de Agosto nos concelhos de Arganil, Oliveira do Hospital, Góis, Penacova, Pampilhosa da Serra e Tábua, tendo como fio condutor a música ligeira dos arraiais e bailes de Verão.


Um argumento adaptado à realidade

Tal como a vida dos personagens que integra, a rodagem do filme não escapou aos caprichos do destino. Em Julho de 2006, a apenas um mês do início das filmagens, a produção e o realizador foram obrigados a lidar com opções de casting que não correspondiam ao que se pretendia e a falta de dinheiro para um argumento exigente a ser rodado no interior de Portugal durante as festas de Agosto.

Miguel Gomes e uma equipa equipa composta por apenas cinco elementos decidem então partir para o terreno com uma câmara de 16 mm e, ao longo de dois anos, durante o Verão, filmar tudo aquilo que lhes parecesse digno de registo. O produto final é honesto, mas será o que parece? Sem “matar” a curiosidade, o realizador diz apenas que “esta história e as que se lhe seguiram poderão encontrá-las no filme; embora, por amor à verdade, se deva reconhecer que as aparências iludem e que certos realizadores têm uma propensão genética para a mistificação”.

Entre uma sinopse que alude ao mês de Agosto onde se multiplicam os populares e as actividades, “aqueles que regressam à terra, lançam foguetes, controlam fogos, cantam karaoke, atiram-se da ponte, caçam javalis, bebem cerveja e fazem filhos” e, perigosamente, se poderia resumir a um cliché de “amor e música”, abordando “as relações sentimentais entre pai, filha e o primo desta, músicos numa banda de baile”, a solução encontrada pelo realizador e pela equipa do filme obrigou o argumento original a adaptar-se à realidade.

“Aquele Querido Mês de Agosto” inclui, assumidamente, as vivências da gentes e dos lugares onde foi rodado, sendo fácil ao público reconhecer o rio Alva, os jovens alerta em torres de vigia empunhando binóculos, um velho carro de bombeiros que ainda cumpre a sua missão, velhos que teimam em não envelhecer e os típicos grupos de baile, de onde acabam por surgir os actores principais.

Documentário ou Ficção? A pergunta tem resposta imediata de Miguel Gomes, ainda que deixe ao público a última interpretação de sentidos: “A meio deste filme vemos uma ponte: a ponte romana de Coja sobre o rio Alva, da qual se atira Paulo «Moleiro». Sem querer parecer Confúcio, diria que de qualquer uma das margens que esta ponte une se avista perfeitamente a outra. E que o rio é sempre o mesmo”.

Recentemente apresentado na Competição Internacional do Festival de Documentários de Marselha e homenageado no 16.º Curtas Vila do Conde, na secção "In Progress”, “Aquele Querido Mês de Agosto” é uma obra da produtora O Som e a Fúria, em co-produção com a produtora/distribuidora francesa Shellac Sud, contando ainda com o apoio da RTP e do ICA. A longa metragem de Miguel Gomes, apresentada em ante-estreia a 8 de Agosto na freguesia da Benfeita (Arganil) – onde decorreram parte das filmagens – foi ainda o único filme português presente na Quinzena dos Realizadores da 40.ª edição do Festival de Cannes, onde recebeu boas indicações da crítica.

A nível internacional, o filme que os portugueses terão oportunidade de ver a partir de hoje nas salas de cinema nacionais, foi seleccionado para o Festival do Rio (Brasil), Festival Internacional de Valdivia (Chile), Festival de Cinema Independente de Buenos Aires (Argentina), Festival Internacional de Chungmuro (Coreia), Festival de Beirute (Líbano) e o Festival Internacional de Vancouver (Canadá).

Miguel Gomes nasceu em Lisboa, em 1972 e estreou-se na longa metragem em 2004, com a obra “A Cara que Mereces”. Frequentou a Escola Superior de Teatro e Cinema e trabalha como crítico de cinema na imprensa portuguesa entre 1996 e 2001. No seu currículo cinematográfico conta com curtas metragens premiadas nos festivais de Oberhausen, Vila do Conde, Belfort ou CinemaTexas, exibidas em Locarno, Roterdão, Viennale e Buenos Aires, entre outros, tendo-lhe sido dedicada na Viennale (Áustria) uma retrospectiva integral da sua obra.
in Campeão das Províncias, de 21/08/2008

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