sábado, 29 de março de 2008

Rosário de amor ou sonhos da alma

O meu coração balança dividido na leitura de "Sonhos da Alma", editado em 2004 mas que só agora o leio, e "Rosários de Amor" saído recentemente da gráfica, deixando-se envolver por estes dois exemplares que transbordam sentimento e afectividade, onde transparece a alma de quem os escreveu: Clarisse Barata Sanches.
Identifico-me de imediato com a sua expressividade tão feminina e volátil, que em certos trechos, como no soneto "Quem Sou", se assemelha à escrita de Florbela Espanca, essa grande poetisa alentejana também presente nestes livros.
Grande também é o talento da autora destas duas obras poéticas, que na sua poesia envolvente e pura nos leva a partilhar as suas dores da alma, a saudade dos afectos desaparecidos da vivência terrena, a sua premência em preservar os valores morais que perderam ao seu redor, mistificados pela palavra progresso, o seu amor às pessoas e à Natureza, o seu sonho acalentado de um mundo melhor, o seu olhar atento às notícias do quotidiano, a sua solidão interior que a sua fé procura acalmar.
Em ambos os livros encontro com surpresa afectos comuns como os sorrisos do Joãozito e da Cita, dois irmãos que conheci em Carvalho e que me merecem um carinho especial. Os seus rostos juvenis a ilustrarem poemas recheados de ternura.
Deparo ainda com poemas dedicados a Maria Vitória Nogueira, que reside em Treixeido (Santa Comba Dão), que escreve cartas maravilhosas a quem a contacta. Convém dizer que os médicos para salvarem a vida desta mulher admirável lhe amputaram os braços e as pernas. Quantas vezes nos lamentamos por ninharias quando há pessoas assim, que ultrapassam o seu grande sofrimento, vivendo com um sorriso a sua vida e ainda transmitindo aos outros um amor sem amargura. Só recentemente tive conhecimento que a Maria Vitória pinta com a boca, fazenso parte da Sociedade dos Artistas Deficientes Manuais.
Tal como "Sonhos da Alma", "Rosários de Amor" é na realidade um rosário de contas de bela poesia que se revela ao longo de mais de 200 páginas, transparentes de sensibilidade, como este poema de louvor a Deus que aqui transcrevo e que é também a oração que cada um de nós deveria fazer diariamente:

Agradecimento a Deus

Agradeço-Te, Deus, o meu andar,
O raciocínio, o Dom da percepção;
Os sentidos da mente, o palpitar,
A voz que sente vivo o coração!
Agradeço, Senhor, a vida em flor;
A Terra, o Sol, o ar, a luz celeste!
A Esperança que acalente a minha dor,
A graça de escrever que tu me deste!
Agradeço a lição do sofrimento,
O auxílio divino de viver.
E, nos dias mais tristes; o alento
Que faz a minha alma enternecer!

CLARISSE BARATA SANCHES

Que o Dom de comunicar de Clarisse Barata Sanches através da poesia, continue a manifestar-se em páginas de beleza, preenchendo lacunas de encantamento tão necessário nas nossas vidas.
Maria Antónia Neves
in A Comarca de Arganil, de 27/03/2008

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