quinta-feira, 23 de agosto de 2007

Telhada - História de uma terra sem história

Com a garra regionalista que todos lhe conhecemos, Américo Rodrigues, telhadense dos quatro costados, de antes quabrar que torcer, compilou um livro de memórias de antigos e actuais costumes da sua terra, registando para a posterioridade tudo o que foi possível rebuscar nas vivências das pessoas da Telhada, ridente e acolhedora povoação da freguesia de Alvares, amarrada pelos nós das enormes montanhas que teimam prolongar-se para além do céu.
Não deve ter sido fácil, não foi fácil de certeza, agarrar no nada e juntar o que foi e, ou continuará a ser, a vida vivida por um povo com pouca história se limita a sacrifícios e dificuldades vividos naquele bocado de serra áspera e bravia, por vezes arrogante; lutando com as constantes intempéries, o frio, a neve e os gelos com que eram vergastados nos rigorosos invernos, como suportar a teimosia das feras - lobos, principalmente que, com fome ou instinto de maldade, desciam ao povoado à cata de alimento.
Na minha curta vivência na Serra, jardim de flores silvestres que eu continuo a amar, de noite, e mesmo de dia, é o lobo que eu mais temo; temor que, enquanto viver, nunca serei capaz de me libertar. Américo Rodrigues, na sua obra, recorda histórias como a do homem que a alta noite foi abrigando a ir à Botica de Góis buscar medicamentos para um enfermo que tinha ficado na cama às portas da morte e que, na travessia da Serra, lá para as bandas das Valzenhas, se viu acompanhado pelas feras e, sem qualquer defesa que não fosse o simples riscar de fósforos. É deveras arrepiante.
Américo Rodrigues, no seu livro, que nós chamamos "a bíblia do regionalismo da Telhada", mostra-nos por dentro toda a vida duma comunidade que sempre lutou por um lugar ao sol.
Barata Hipólito
in Jornal de Arganil, de 23/08/2007

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