quarta-feira, 4 de julho de 2007

Racismo, igualdade, alcoolismo e direito à diferença

Comunicação feita na Assembleia Municipal de Góis, reunida extraordinariamente para os alunos da Escola Básica 2,3 falarem e debaterem problemas como o racismo, a igualdade, o alcoolismo e o direito à diferença.


Pretendeu-se colocar os jovens a falar destas matérias, despertar a curiosidade e a atenção da população em geral e dos meios de comunicação em particular, para situações, graves que ainda existem entre nós, nunca esquecendo que os jovens de hoje serão certamente no futuro chamados a tomar decisões como médicos, advogados, funcionários públicos, trabalhadores em Empresas ou como políticos, entre muitas outras actividades, devendo por isso ser-lhes dada a palavra para exporem as suas teorias, as suas dúvidas, discutindo-as e procedendo a sua aprovação ou rejeição, de modo a prepará-los para a sua vida activa, face à actual realidade.
Aproveitou-se assim o facto de se estar a comemorar o "Ano Europeu da Igualdade de Oportunidades para Todos" para trazer à colação estes temas tão importantes.
Na realidade, o racismo corresponde à representação de um povo como inferior, por razões naturais, independentemente da sua acção e da sua vontade, sendo esta representação feita, naturalmente, por todos aqueles que se assumem a si próprios como superiores. A questão essencial não está contudo na definição, mas em encontrar uma explicação para a ocorrência de manifestações de racismo entre os povos.
Uma das ideias mais divulgadas actualmente é a de que o racismo é sempre uma reacção a uma ameaça, ou seja, um povo pode julgar-se superior a outro, mas tal facto pode não desencadear, por si só, manifestações de racismo para com o mesmo. O racismo, discriminação de povos ou pessoas, com base no preconceito da sua inferioridade, tem sido, ao longo dos séculos, parte integrante das mais diversas ideologias e formas de organização social.
É sabido que em todo o mundo, os imigrantes são os alvos privilegiados de manifestações racistas. Porém nas épocas Moderna e Contemporânea foram dados importantes passos na luta contra o racismo: os contactos entre diferentes povos e culturas intensificaram-se, com cada vez maior abertura e conhecimento de parte a parte. O século XIX assistiu à abolição da escravatura numa série de países e a luta contra a discriminação racial tem envolvido personalidades tão destacadas como Martin Luther King e Nelson Mandela.
Já quanto à igualdade e à não discriminação, no contexto da ordem jurídica interna, temos como um dos princípios fundamentais do sistema jurídico português o "Princípio da Igualdade" previsto no artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa, cujo n.º 1 dispõe que "Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei"; e o seu n.º 2 que "Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica ou orientação sexual".
De igual modo o alcoolismo e a ingestão precoce de bebidas alcoólicas têm-se revelado como um dos problemas mais importantes e graves de saúde pública no nosso país. Os jovens consomem cada vez mais álcool e esta é a quarta causa de morte em Portugal. Para fazer face a este flagelo e inserido no Plano de Acção Contra o Alcoolismo, foi aprovado um decreto-lei que proibe o consumo e venda de álcool e menores de 16 anos.
O exemplo está quando o exemplo é dado pelos adultos.
Finalmente, o direito à diferença lembra-nos que a integração social é um tema cuja actualidade veio a ser dramaticamente sublinhada pelos recentes acontecimentos de Paris, que obrigam os responsáveis políticos a um rigoroso exame das políticas de intervenção que têm sido aplicadas. É verdade que a revolta se deu em zonas de subúrbio de cidades francesas, em bairros onde o desemprego atinge por vezes mais de metade da população jovem descendente de famílias de imigrantes. Mas todos reconheceremos, sem dificuldade, que as condições materiais de existência nesses territórios são extensíveis ao conjunto dos subúrbios de todas as nossas grandes cidades. Essas condições podem ser resumidas numa só palavra: discriminação. Ou melhor: dupla discriminação. A discriminação inerente à vida nas periferias, e a discriminação que vem da cor da pela, do nome que se usa ou da religião que se pratica.
Quando falamos da situação dos imigrantes que já se encontram estabelecidos em determinado país da Europa, há dois problemas que são geralmente assinalados: por um lado, as dificuldades de integração que afectam algumas comunidades, as quais, por um leque variado de razões, tendem a fechar-se em guetos, a afastar-se do convívio regular com a sociedade envolvente, a não ser durante o estrito período de tempo em que o exercício das suas actividades profissionais o exige; por outro lado, assinalam-se situações em que o preço de uma integração bem sucedida foi o abandono das raízes culturais de origem da família, por vezes mesmo acompanhado pela dificuldade no uso da língua materna dos pais ou avós; particularmente entre as segundas e sobretudo terceiras gerações das famílias imigrantes já nascidas no território de acolhimento. Diferentes países europeus têm tido diferentes formas de encarar o problema da integração e não será difícil acordarmos que nenhuma delas se tem revelado completamente satisfatória. Algumas tendências colocam o acento tónico no reconhecimento do direito à diferença e na preservação da identidade das várias comunidades como condição para um convívio pacífico numa sociedade multicultural. Outras correntes de pensamento anfatizam, pelo contrário, o direito à igualdade, pressionando para uma rápida integração na cultura, na língua e nos valores da sociedade de acolhimento.
O direito à diferença fundamenta-se na ideia de que entre os seres humanos há diferenças que são, de alguma forma, irredutíves e que definem a própria essência do grupo e das pessoas que o constituem: o direito à igualdade, por seu lado, assenta na ideia de uma cidadania universal e sublinha sobretudo aqueles aspectos da vida que nos tornam iguais em detrimento daqueles que revelam as nossas diferenças. Esta ideologia universalista e o reconhecimento de direitos e deveres iguais para todos, que é um princípio civilizacional que ninguém pode negar numa sociedade democrática contemporânea, pode por vezes tender a esquecer a complexidade da longa construção histórica das múltiplas identidades que, no seu conjunto, formam o mundo de hoje. Um individualismo igualitário tenderá por vezes a destruir as identidades de grupo, as culturas e as suas solidariedades, para forjar a integração no sistema considerado universal, sem que uma nova identidade e cultura universalista correspondente à nova forma social tivesse tido tempo ou possibilidade de se construir em substituição da cultura anterior, que o sistema nega, mas não consegue superar.
Por tudo isto é importante ouvir o que os jovens nos têm para dizer, podendo e devendo criticar sistemas e apontar soluções, na medida em que o futuro lhes pertence, sendo expectável e legítimo quererem viver num mundo melhor, onde haja pão, paz e harmonia entre os povos.
José António Pereira de Carvalho
in A Comarca de Arganil, de 3/07/2007

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