quarta-feira, 16 de maio de 2007

Epitáfio, de Abílio Bandeira Cardoso

Faça-se em mim a maior torre de martírio:
Fundada nos alicerces do meu peito,
Sobre as ruínas sem glória que o despedaçam,
Acessível por pontes de solidão
Sobre o vácuo fosso da ausência
Onde assentem os pilares de ilusão
Que a suportam
E que a fazem tombar
Nos sísmicos abalos de minha dor
Sobre os destroços do meu próprio ser
Outrora edifícios de um outro eu
Que já não existe
(Sequer quer existir)
Mas ensombra
Como um crucifixo bolorento
Que não faz milagres,
Mas condena o pecado
E aplica penas
(sem outro contraditório
Que não seja o da consciência)
Repetitivas,
Quase indecifráveis
Fórmulas ocas de absolvição…

Faça-se sobre mim uma torre de penas
Fundada nos alicerces do pecado-Amor
Censurado por quem lhe foge
Por quem o desconhece
(ou não…)
E assim comete maior pecado
Que é não usar o corpo
Em todos os mistérios
Do rito da criação.
Faça-se em mim a torre de um só pecado
A torre do pecado-Amor
Com janelas-nesgas de ilusão
E podem contruir claustros de dor
Frios e escuros do pior material.
Com sinos que dobrem finados
E angústias
E que num qualquer lugar
Abram uma cova
E me sepultem nela
Como fundação
De toda a construção
E a cubram com os restos
Da minha existência e meus pecados
E um breve epitáfio
Que diga:
“Aqui jaz aquele que amou”

Abílio Bandeira Cardoso

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