segunda-feira, 5 de março de 2007

Um marco na história de Góis - Eng. Stanley Mitchell

Mitchell, engenheiro mineiro, chegou a Portugal no ano de 1922, como funcionário de uma firma inglesa, indo trabalhar como técnico e supervisor das minas da Panasqueira. Ali teve contacto com as realidades da nossa região, com a dura vida serrana, deixando um rasto da sua presença, para além da gestão mineira, em obras de construção civil e de assistância humanitária (não havia médico próximo e era ele que prestava os cuidados médicos, onde prevalecia na época doenças de silicone e de tuberculose, nomeadamente fazendo de cirurgião em casos extremos para salvar vidas).
No início do ano de 1931, ele tomou a iniciativa de se desligar da empresa inglesa e estabalecer-se por conta própria, fazendo prospecção do estanho no nosso concelho, para o que adquiriu a concessão de uma mina. Numa época em que se estava longe de pensar que mais tarde iria ocorrer uma segunda guerra mundial e com a devastação que teve.
Estabeleceu residância em Góis, onde casaria, uns anos depois, com uma senhora da região, de quem teria duas filhas, uma nascida em Góis e outra na maternidade em Coimbra. Aqui ficaria 13 anos.
Foi devido ao seu trabalho que o povo de Góis e dos arredores tomou conhecimento que o seu subsolo era rico em volfrâmio e estanho, o primeiro dos quais se tornaria uns anos depois, com a guerra, num verdadeiro filão de ouro. Era a única pessoa que nas redondezas se interessava por minas, numa época em que aliás havia crise neste sector.
Mas foi também pelo seu trabalho exercido durante a prospecção e as suas qualidades pessoais que Mitchell se tornou pessoa grata aos goienses.
Deixou-nos a denominada Casa de Caridade, construída à sua custa e doada ao concelho, através da Associação Educativa e Recretiva de Góis, ainda hoje em funcionamento e que mais tarde serviria de âncora ao actual Centro de Saúde do concelho. Esta obra, cuja importância tem que ser localizada na época, nas circunstâncias que o país então se encontrava, serviria de pretexto para uma grande festa de homenagem, com grande adesão da população local, inclusivamente com a presença das principais autoridades de Arganil, "testemunho de gratidão dos goienses para com uma individualidade a todos os títulos respeitável", e que merecia notícia ocupando toda a primeira página da imprensa da região.
Para além de outras acções de ajuda e de beneficência que não se quis trazer ao conhecimento público, deixo aqui registado o seu apoio à Companhia de Papel de Góis, numa altura em que a fábrica estava sob o espectro de mais de uma centena de pessoas no desemprego, e que a administração agradeceria publicamente.
A vila de Góis e pessoas ilustres de Arganil viriam a prestar-lhe outra grande homenagem, já depois de ter saído do concelho e abandonado a sua actividade mineira, "pela sua benéfica iniciativa realizada com tanta ponderação e saber, graças à qual logrou dar trabalho a muita gente humilde até então desempregada e inactiva..."
Está na toponímia da vila. E o estado português também o agraciaria com o grau oficial da Ordem de Benemerência, por ter prestado "importantes serviços ao concelho de Góis".
Por tudo isto, o Eng. Mitchell pertence ao nosso património.
Quando o governo português decidiu encerrar todas as minas em Portugal, inclusive as de Góis, em Junho de 1944, por pressão dos governos inglês e americano, o Eng. Mitchell regressou a Inglaterra, eixando a sua actividade de mineiro. Não fez fortuna, como outros no seu lugar o poderiam ter feito, pelo amor ao seu país. E, em parte por dificuldades financeiras, voltaria a Portugal volvidos poucos anos, acompanhado da sua família, para passar os seus últimos tempos de vida, vindo aqui a falecer em 1957, com 60 anos de idade.
Aqui quero apenas recordar, em traços leves, uma das grandes personagens da História da nossa terra, Eng. Stanley Mitchell, porque, avivando-as na nossa memória colectiva, é também um contributo para a consolidação da nossa identidade concelhia.
João Nogueira Ramos
in O Varzeense, de 30/05/2006