segunda-feira, 12 de março de 2007

Sozinhos e às escuras em Formiga e Vale das Éguas

Formiga e Vale das Éguas são duas aldeias de Góis onde já só vive, em cada uma delas, um habitante. Sozinhos resistiram à evolução dos tempos e lá permanecem sem luz nem água canalizada. Quando deixarem as povoações, estas ficarão desertas e ao abandono.

A esperança de Formiga poderá passar por um potencial investidor que terá já comprado algumas casas com o propósito de as recuperar e transformar o local em turismo de aldeia. Vale das Éguas é que parece ter o destino já traçado. Ninguém tem mostrado interesse no lugar e o único habitante vive numa espécie de caverna. Vagueia pela região, não fala com ninguém nem aceita qualquer tipo de ajuda.

Bem diferente é a forma de estar de Francisco Matos. Há 70 nasceu em Formiga, lugar onde na altura viviam várias famílias. Só a dele era constituída pelo pai, mãe e 16 filhos. Adaptou-se a uma realidade, que, em consciência, diz ser dura, "mas com o tempo tornou-se num modo de vida", salientou Francisco Matos. Formiga é o local com que sonha para um dia vir a poder morrer.

O agricultor continua a dar conta de 50 hectares de terreno onde produz pastos para as 34 cabeças de caprinos, roça mato para as camas dos animais, retira o estrume dos currais para depois adubar as terras, cuida das videiras cujas uvas transforma em vinho. Faça sol ou chuva os 365 dias do ano são ali passados na solidão do seu espaço que considera ser único.

"Tenho consciência de que é um mundo à parte, mas este é um local que me preenche na totalidade, aqui nunca me sinto só". Nos arredores todos conhecem o "ti Chico", o homem que conhece as serras e caminhos da região como ninguém. Percorre-os na companhia das cabras à procura de alimento alternativo aos dos pastos e aveia. A doença começou a fraquejar-lhe as pernas, mas ele não deixa a aldeia onde sempre viveu e quer continuar a viver.

O irmão, Sarmento Matos, tem-no acompanhado mais de perto obrigando-o, nos últimos tempos, a vir dormir a sua casa no Casal da Ribeira. Francisco agradece o carinho, mas sonha poder voltar a dormir em Formiga.

Sarmento Matos viveu em Lisboa, voltou ao concelho mas não quis ficar em Formiga. "É com tristeza que penso no dia em que a aldeia ficará abandonada".
in Jornal de Notícias, de 12/03/2007