sábado, 10 de fevereiro de 2007

Conhecer Góis 9


O património construído. O Interesse Público.

No património edificado pelo homem, são três as nossas opções.

A Pedra Letreira, por ser o mais antigo testemunho dos nossos antepassados.

Situado no extremo norte da freguesia de Alvares, fronteiro ao Penedo, é uma manifestação de arte rupestre, ao ar livre, de hieróglifos, sendo suposto ter cerca de quatro milénios, da plena Idade do Bronze. Está com classificação oficial de Interesse Público.

Em segundo lugar, o Centro Histórico da vila. Por várias razões: por se tratar de um conjunto de grande qualidade arquitectónica e artística, por se situar no centro da vila e portanto no centro do concelho, e por aquilo que representa na nossa memória colectiva.

Há poucos anos, esta área foi considerada como possuindo virtualidades para ser englobada na lista do património mundial, precisamente pelo representante da UNESCO para a sua classificação. Será que haverá coragem e vontade para prosseguir com essa ideia e tentar concretizá-la, antes ainda do concelho festejar os seus 900 anos de existência?

A sua descrição pormenorizada seria aqui fastidiosa. Apenas recordarei, como dele fazendo parte: a Igreja Matriz, com a capela-mor e a estátua tumular de Luís da Silveira I, sob a batuta de Diogo de Castilho, Diogo de Torralva e Filipe Hodarte; o antigo Hospital e o seu espaço adjacente, agora postos a nu, arqueologicamente falando, pela feliz intervenção da Câmara Municipal; a Casa da Quinta e os seus tectos pintados; a arquitectura envolvente dos edifícios da Praça da República, do Largo do Pombal e de algumas das suas artérias; a antiga fonte do Pombal e os seus azulejos; as pinturas no tecto de outro edifício da Praça; os santos da Igreja; a ponte manuelina; a capela do Mártir e a capela de Nossa Senhora da Assunção, no morro do castelo, tudo isto património dos séculos XVI ao XVIII. Alguns deles também já reconhecidos oficialmente de Interesse Público nacional, como foram a Igreja Matriz, os tectos dos Paços do Concelho e o conjunto Ponte Manuelina - Capela do Mártir.

E não esqueçamos, embora bordando esse espaço histórico (traçado no passado mas certamente passível de revisão), a linda capela de Santo António.

Como terceira opção, para caracterizar o nosso património construído, elejo as típicas aldeias serranas.

Espalhadas pelo concelho, muitas povoações, aldeias, casais e lugares, contém em si um valioso património. Calcorreando as ruelas e examinando a sua arquitectura, conseguimos perspectivar um pouco o seu passado e compreender o que elas contribuíram para dar corpo à identidade do concelho.

Geralmente são de casario concentrado e fechado entre si, com as fachadas das habitações defronte umas das outras, como que querendo defender-se de perigos do exterior, pessoas estranhas ou perigosos animais.

Tradicionalmente habitações do tipo agro-pastoril, com predomínio do xisto, de telhados de ardósia escuros a formarem extensas áreas contínuas. Sendo a pastorícia fundamental, o gado é recolhido no piso inferior, o seu calor ajudando o aquecimento da própria casa. No primeiro andar, onde se habita, a lareira a um canto dispensa a chaminé, dissipando-se os fumos através das telhas estrategicamente colocadas e resguardando-se o calor para o fumar dos enchidos e o aquecimento do interior. São zonas de invernos rigorosos, em que todo o calor é pouco para lhes aquecer o corpo e a alma.

Fora das habitações, notam-se equipamentos colectivos, uns trabalhando ou prontos para isso, outros apenas restos de um passado que a emigração abandonou. Moinhos, junto a correntes de água, geralmente de propriedade de alguns mas compartilhados por todos; ou fornos de lenha, em que o trabalho de aquecimento e de cozedura, do pão e da broa, era combinado colectivamente entre as vizinhas.

E naturalmente com capelas, que são propriedades das respectivas aldeias, do mesmo modo que a igreja paroquial é propriedade da freguesia.

Lugar de culto, lugar de convívio e de festa, a capela é o património que o aldeão mais venera. O nosso registo pessoal enumera 81capelas públicas, não contando as particulares, uma ou outra com indícios de serem do século XVI, mas a maioria são dos séculos seguintes, até ao final do século XX.

As capelas estão normalmente associadas ao culto de um santo, protector da comunidade, e, por todo o concelho, cultivam-se 21, cada um deles com o seu próprio atributo. O que mais se repete é o Santo António, por seis vezes, ou não fosse ele o casamenteiro. Outras capelas estão sob o culto de Maria, aparecendo o nome de Nossa Senhora em 17 diferentes denominações, algumas ligadas à topografia local ou a momentos importantes da vida, e, em três delas, o padroeiro é Nosso Senhor.

Materializados em imagens, pintadas ou esculpidas, em pedra ou em madeira, estes símbolos constituem um rico património da aldeia.

Também não podemos esquecer as Alminhas, cerca de meia centena, colocadas em locais estratégicos, à beira dos caminhos, normalmente nas encruzilhadas ou à saída das povoações. Na falta de capela, rezava-se defronte delas por alma de alguém, numa manifestação de saudade, ou de despedida quando se levava o caixão a caminho do cemitério. Mas há também quem ainda se recorde do costume de as raparigas lá irem rezar para que o santo lhes arranjasse marido...


Há-os de pequenos nichos, em pedra ou em madeira, alguns muito estimados, outros quase abandonados, a maior parte com uma idade que se perdeu na memória colectiva. Mas há também, como uma nos Povorais, nas fraldas do Penedo, onde se entra em pé no seu interior.

Ciosos do seu passado, há aldeias, como o Soito, a Várzea Grande, o Esporão, Alvares, que vão criando pequenos espaços museológicos, carinhosamente guardando aquilo que de mais importante pensam ser representativo das suas comunidades. Para que a memória não se perca.
João Nogueira Ramos

in www.portaldomovimento.com