Novo Livro - Casa de Malta e a Desertificação
De algum modo todos fomos transeuntes dos caminhos da amaldiçoada desertificação, não de mote próprio, mas imposto pelas condições de vida e pela falta de horizontes que, aos poucos, se foram fechando pela política de abandono que a todos se colocou (excepto aos idosos), sem qualquer alternativa. Contrariamente às migrações ocorridas em outras épocas, esta apresentou-se como uma saída sem retorno, algo que iria ser hipotecado sem possibilidade de se reaver. Com todas as consequências decorrentes, que resultou num processo de aculturação.
Tudo indicava que seria a saída mais airosa e promissora da qual não havia que olhar para trás, era a tábua de salvação, a que todos se agarravam. "O primo, mais tarde, chamava outro primo, o padrinho levava o afilhado para ocupar o lugar de moço de esquina por ele deixado, ou a vaga de "almeida" que se abriu, ou ainda um lugar no balcão da pastelaria do tio que estava em aberto" (citação de Miguel Torga). O processo era sempre o mesmo, com maior incidência no grupo dos trabalhadores portuários: estivadores e bagageiros.
Estes homens que cheiraram a maresia dos cais do porto de Lisboa, engoliram o pó dos porões dos navios, asseguraram a transfega de bens importados, conheciam bem as carências enormes do país e tinham consciência de que dependíamos, em tudo, do estrangeiro e não passávamos de uma nação pobre e subdesenvolvida. Curiosamente, muitos destes homens assentaram os costados nas tarimbas das Casas de Malta e sentiram na pele o que é trabalhar quando "a maré está a dar", para granjearem os tostões que depois enviariam para o sustento das suas famílias que permaneciam nas aldeias. Era assim que tudo se passava enquanto houvesse trabalho.
Honra lhes seja feita. Mas hoje tudo é diferente e esta façanha não pode ficar pelo "diz que disse", nem pode aguardar o tempo de incubação necessário ao seu distanciamento, deixando os seus anónimos protagonistas sem a glorificação do seu contributo, permitindo que ela vá cair nas mãos de outros que mal sabem o que isso foi. E, portanto, devido um registo dessa época, ainda que em forma de ficção, para que lhes seja reconhecido o seu contributo e fique vivo na memória colectiva. Os ventos hão-de falar dele.
Dos meandros desta estória do povo beirão, na saga das ruelas e dos cais das nossas gentes que se enquadram bem na época, daremos conta num livro que será publicado no próximo dia 13 de Outubro, em Vila Nova do Ceira.
Adriano Pacheco
in O Varzeense, de 30/09/2007
Tudo indicava que seria a saída mais airosa e promissora da qual não havia que olhar para trás, era a tábua de salvação, a que todos se agarravam. "O primo, mais tarde, chamava outro primo, o padrinho levava o afilhado para ocupar o lugar de moço de esquina por ele deixado, ou a vaga de "almeida" que se abriu, ou ainda um lugar no balcão da pastelaria do tio que estava em aberto" (citação de Miguel Torga). O processo era sempre o mesmo, com maior incidência no grupo dos trabalhadores portuários: estivadores e bagageiros.
Estes homens que cheiraram a maresia dos cais do porto de Lisboa, engoliram o pó dos porões dos navios, asseguraram a transfega de bens importados, conheciam bem as carências enormes do país e tinham consciência de que dependíamos, em tudo, do estrangeiro e não passávamos de uma nação pobre e subdesenvolvida. Curiosamente, muitos destes homens assentaram os costados nas tarimbas das Casas de Malta e sentiram na pele o que é trabalhar quando "a maré está a dar", para granjearem os tostões que depois enviariam para o sustento das suas famílias que permaneciam nas aldeias. Era assim que tudo se passava enquanto houvesse trabalho.
Honra lhes seja feita. Mas hoje tudo é diferente e esta façanha não pode ficar pelo "diz que disse", nem pode aguardar o tempo de incubação necessário ao seu distanciamento, deixando os seus anónimos protagonistas sem a glorificação do seu contributo, permitindo que ela vá cair nas mãos de outros que mal sabem o que isso foi. E, portanto, devido um registo dessa época, ainda que em forma de ficção, para que lhes seja reconhecido o seu contributo e fique vivo na memória colectiva. Os ventos hão-de falar dele.
Dos meandros desta estória do povo beirão, na saga das ruelas e dos cais das nossas gentes que se enquadram bem na época, daremos conta num livro que será publicado no próximo dia 13 de Outubro, em Vila Nova do Ceira.
Adriano Pacheco
in O Varzeense, de 30/09/2007
Etiquetas: adriano pacheco, livro, vila nova do ceira
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