quarta-feira, 10 de janeiro de 2007

Uma opinião sobre Góis

O caso mais evidente desta notável vila de Góis é ter pouco de seu com que se imponha à majestade do lugar onde está.

A ponte manuelina sobre o Ceira tende de tal modo ao abraço harmónico das duas margens do rio, tão bem se integra, com seus arcos de pedra escurecida, numa teoria de troncos e ramos, que somente deixa pressentir a grandeza intacta do seu porte.

O mais que a terra tem de precioso está internado nas artérias breves do seu coração, a um tempo rústico e fidalgo: a matriz de feição quinhentista, com os tesouros que a celebram; certos traços nobres das melhores construções; e o marcante edifício da Câmara Municipal.

Mas a tudo falta o dom de uma escala com que se meça a montanha soberba que, na sua magnitude, domina esta povoação “de uma rua só”. Ora isto, sobre não ter mal algum, convém aliás à própria vila. Como trecho fluvial, conta-se Góis entre os melhores do país. O açude cingiu-lhe graciosamente o dorso da praia de rio. Aqui e ali, fios de água pespontam as margens. E as árvores frondosas que, em seu verde-escuro cerrado, as debruam, são promessas de sombra. Tudo é frescura.

Inelutavelmente, sou forçado à comparação com Amarante. Mas a cidade do Tâmega, além das razões sumárias que relevam da dimensão e do estatuto, tem ainda o templo e a ponte, em seu recorte poderoso, sob a égide de São Gonçalo; a dádiva improvável de alguns homens e uma mulher de génio – Pascoaes, António Carneiro, Amadeo, Agustina; a épica sagração de um baluarte resistente perante as tropas napoleónicas; e certas páginas dos livros de Camilo (não sei – aqui o confesso – se o mestre de Seide alguma vez escreveu sobre Góis), como é de seu natural em qualquer terra de entre Douro e Minho que se preze.

Ora Góis, que talvez sobreleve Amarante pela paisagem, fica um tanto aquém do mundo, no retiro singelo do seu esquecimento. Os naturais proclamaram-na Capital do Ceira, o que, sendo pouco na medida dos homens, será tudo a que pode aspirar – e só por isso é já tanto! E eu gosto de gente assim, que sabe aquilo que tem e gosta de quanto lhe pertence.
Pedro Martins
in sesimbraeventos.blogspot.com