sábado, 30 de dezembro de 2006

Azeite com história

Com mais de um século de história, o lagar da Cabreira ainda funciona como no início. E são muitos os que querem saber como se fazia o azeite antigamente.
Na Cabreira, concelho de Góis, o tempo parece que parou. As casas ainda são de pedra, o verde ainda marca a paisagem e o rio, o Ceira, ainda corre livremente, abraçando a aldeia. Aqui, as tradições ainda são o que eram. O dia–a–dia vive–se com tranquilidade, longe das confusões da grande cidade. Os cerca de 100 habitantes vivem, essencialmente, da agricultura, que praticam para consumo próprio. Mas, além da paisagem única, a Cabreira tem ainda mais qualquer coisa de especial. O seu lagar comunitário é ainda dos poucos (talvez o único no país) que continua a trabalhar segundo a maneira tradicional, através de um sistema de varas.
A produção é feita de forma artesanal. A vara, um tronco de uma árvore, geralmente grande é que, “com o seu peso”, esmaga a azeitona, tal e qual como se fazia há mais de um século.
Ao certo não se sabe quantos anos tem o lagar. O registo mais antigo é de uma venda em hasta pública, datada de 1876. Antes disso, o lagar pertencia à Igreja, calculando–se que já se encontrava em funcionamento há algumas dezenas de anos. Assim, o lagar da Cabreira já terá, certamente, mais de 150 anos de existência. Mas voltemos a 1876. Na altura, o comprador decidiu oferecer o lagar ao povo, a quem ainda hoje pertence. Há cerca de 50 anos atrás, o espaço foi recuperado, mantendo–se em actividade até hoje.
Sendo um lagar comunitário, são vários os populares que optam por fazer o seu próprio azeite. O processo é, todo ele, feito pelas pessoas da terra, que apanham a azeitona das suas oliveiras, levam–na para o lagar, esmagam–na e retiram o azeite.
Mas, além dos filhos da terra, são muitos os que vão até à Cabreira, ver como funciona o seu lagar. Desde 2002 que a empresa Transserrano realiza as Rotas do Azeite. Trata–se de um programa que dura um dia inteiro e em que as pessoas podem acompanhar, de bem perto, todo o ciclo de produção do azeite. O programa inclui ainda um almoço, com a refeição tradicional dos lagareiros - a tibornada - e uma amostra do azeite produzido durante a visita, para que não mais se esqueça o dia em que aprenderam a fazer a mais saudável das gorduras.
As visitas são feitas durante o Outono e Inverno, geralmente em Novembro e Dezembro, mas podem–se estender até mais tarde. Nas visitas turísticas são utilizadas azeitonas da Beira Baixa ou do Alentejo, uma vez que os produtores da região “não produzem em quantidade suficiente” para fornecer a empresa, explica Fernando Romão, da Transserrano.
Segundo este responsável, a maioria das pessoas que visita o lagar “são turistas, muitos de Lisboa, que vêm passar o fim–de–semana” e aproveitam para aprender como se faz azeite. Para Fernando Romão, “as pessoas ficam satisfeitas”, até porque, garante, “a nível nacional, não se vê outro programa deste género”.
Lagares como o da Cabreira, não existem muitos - talvez mais nenhum - em Portugal. Além dos motivos óbvios da destruição ao longo dos anos, os aspectos financeiros também pesam, na hora de manter estes equipamentos a funcionar: “o lagar está sempre a precisar de obras”, refere Fernando Romão. No entanto, “a tradição tem que se preservar”, afirma o responsável. E, por enquanto, a tradição vai sendo mais forte que os números e o lagar comunitário da Cabreira preserva a história de século e meio de produção do liquido indispensável à dieta mediterrânea.
in Diário As Beiras, de 30/12/2006