sábado, 15 de março de 2008

A Guerra dos Carvoeiros

É do conhecimento das gentes da minha geração o que era a "guerra dos carvoeiros".
Quando na aldeia se tomava conhecimento que lá pelas serras adjacentes havia cova de carvão a funcionar, logo tudo se mobilizava, o sino tocava a rebate e todos abalavam de encontro ao invasor. Depois, o regedor autuava o pobre do carvoeiro que acabava sempre não só por passar momentos aflitivos, como também acabava por ficar sem o produto do seu desgraçado trabalho. Poder-se-á reviver toda essa acção no texto que vou transcrever, de 2 de Abril de 1905.
O senhor presidente apresentou um requerimento de Manuel Gaspar Nunes, de José Augusto e Eduardo Gonçalves, do luar de Capelo, desta freguesia, do teor seguinte:
"Esta junta de paróquia da freguesia do Cadafaz, dizem, os acima mencionados, casados, proprietários, naturais do lugar de Capelo, desta freguesia, que encontrando no dia 4 do mês de Fevereiro findo, um indivíduo estranho a este freguesia, do nome Francisco Antunes, natural do lugar do Liboreiro, da freguesia de Góis, a fazer carvão no sítio da Retorta, limite deste lugar de Capelo, invadindo assim terrenos exclusivos desta paróquia, cuja fruição é e foi sempre privativa dos habitantes desta freguesia. Os suplicantes e muitos outros conterrâneos esborralharam a aludida cova de carvão, não permitindo que um estranho a esta freguesia viesse usurpar-lhes o direito que unicamente pertence aos habitantes desta paróquia e tratando de manter esse direito e posse que o Código Administrativo lhes reconhece. O referido Francisco Antunes apresentou um juízo queixa contra os signatários, quando é certo que os suplicantes não praticaram qualquer crime ou infracção porquanto o terreno de que se trata não é Municipal. Vêm, portanto, os abaixo assinados requerer à Exm.ª Junta que procedendo à vistoria no local indicado se digne verificar se efectivamente o terreno em que se esborralhou a cova de carvão é efectivamente paroquial e como tal considerado para exclusivo uso e fruição dos habitantes desta paróquia. Pede deferimento. Cadafaz 1 de Abril de 1905, Manuel Gaspar Nunes, a rogo de José Augusto por não saber escrever, Abílio da Silva Barata, a rogo de Eduardo Gonçalves por não saber escrever, Francisco Rodrigues Gregório. Testemunhas: Joaquim Henriques Lopes, Agostinho e Agostinha Santos. Segue o reconhecimento." Face a isto a junta de Paróquia suspendeu a sessão e deslocou-se ao referido local.
Desceu do Cadafaz ao rio e, de seguida, trepou até ao alto da serra. Verificou e analisou a situação no referido local e retornou ao Cadafaz para prosseguir a sessão. Para o cumprimento do seu dever nem contava o sacrifício feito e nem tão pouco o tempo gasto.
Da análise feita saiu a conclusão seguinte:
"É terreno exclusivo da paróquia, cuja fruição somente pertence aos habitantes desta freguesia, não fazendo tal terreno parte dos baldios ou terrenos Municipais para uso dos habitantes do Concelho, pois que a cova de carvão esborralhada e aludida, só está à distância de 549 metros e meio e esta Junta sempre tomou em conta uma demarcação que antigamente foi feita pela Exm.ª Câmara Municipal deste Concelho que dava a cada povoação uma à que tinha um raio de 1640 metros... A Junta convicta do direito que assiste a esta freguesia deliberou exarar um protesto contra os indivíduos que vêm a esta freguesia fazer carvão e buscar lenha, sendo estranhos a ela."
Luciano Nunes dos Reis
in Jornal de Arganil, de 13/03/2008

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