terça-feira, 27 de novembro de 2007

O portão do cemitério de Alvares

Alvares foi sede de concelho até 1855. Era constituído pelas freguesias de Alvares e Portela do Fojo.
Alvares freguesia muito populosa e com muitos castanheiros, que foram atacados por uma moléstia e assim sucumbiram. Com a reforma administrativa dos finais da primeira metade do seculo de 1800, encetada por Passos Manuel e Mouzinho da Silveira, o concelho de Alvares cindiu-se: a freguesia de Portela do Fojo passou para o concelho de Pampilhosa da Serra e Alvares para o de Góis. Na sua última reunião de câmara o presidente Joaquim Baeta de Almeida e também a vereação, decidiram fazer sentir ao governo de sua majestade a injustiça que se lhes havia feito. Em 1855 reinava o que é considerado o rei mais bonito da história de Portugal - D. Pedro V. Morreu com 24 anos já viúvo. Na autópsia que fizeram a sua alteza a rainha D. Estefânia, sua esposa, os médicos detectaram que o casamento não tinha sido consumado. Numa recente biografia de D. Pedro V de Maria Filomena Mónica, esta diz que sua alteza devia ser impotente ou não gostar de sexo. Por outro lado, D. Estefânia lamentava-se em cartas enviadas a sua mãe, lá para a Saxónia, da chatice que era ter de se deitar com um homem.
A conversa é como as cerejas. Vamos ao portão!
Desde muito novo que me lembro de ter acompanhado alguns funerais que iam da Chã para o cemitério de Alvares. Sinceramente, nunca dei importância por desconhecimento, apesar de ter em casa um pai ferreiro, e por isso, ter sido nos meus princípios muitas vezes tentado ser embalado com o som do martelo a bater na bigorna. Estou a falar do portão do cemitério de Alvares; uma relíquia da metalomecânica e um autêntico vestígio da "arqueologia industrial". Obra não muito grandiosa, simples e muito bonita.
De acordo com a obra "Memórias acerca da vila de Alvares" do prof. Anselmo Ferreira de 1955, o cemitério foi construído em 1904, portanto já depois da revolta da Maria da Fonte, que se batia contra os cemitérios, e preferia ver os defuntos sepultados nas igrejas, em solo sagrado, mesmo com influências negativas na saúde pública - o nosso atraso é secular e principalmente de mentalidades. Custou cerca de 787$140 réis. O portão foi construído pelo ferreiro do Casal de Baixo; onde o meu pai aprenderia a "arte" 25 anos depois.
Tendo em atenção a época em que foi construído; sem processos tecnológicos muito desenvolvidos, ferramentas e materiais, é extraordinário o resultado final, só possível com muita mestria, esforço e perseverança. A minha admiração pelo portão, é não só devido à profissão do meu pai, como também à minha actividade profissional. Hoje, nós lá em casa estamos equipados para fazer uns "ganchos" do que esta gente na altura (por inexistência), e que vivia disto. Não havia soldadura; o material incandescente era ligado através de caldeamento. Para fazer um furo não havia brocas. Este era feito por punções que martelavam o material ao rubro. Não havia "laser" para efectuar cortes. Os excessos eram removidos a escopro, hoje existem as rebarbadoras. Os materiais eram maciços, hoje são tubulares o que permite aligeirar as construções.
Presentemente, com um manancial de processos tecnológicos, ferramentas, novos materiais, preparação e planeamento do trabalho, ficamos admirados como foi possível construir obras deste género com tão poucos recursos.
Na década de 90 foi construído um cemitério em Chã de Alvares. Também tem um portão; mais largo e não tão alto, um estilo de construção muito rectilíneo - nada de arabescos. Mais ligeiro por porque é em tubo.
Estamos certos que o portão do cemitério de Alvares, levou muitas semanas a construir; com muito esforço. O portão do cemitério da Chã foi feito por dois homens durante uma semana; assobiando. Separam os dois portões cerca de 90 anos de evolução tecnológica.
Pessoalmente prefiro mais o estilo do portão do cemitério de Alvares. Deve ser preservado aplicando-lhe um produto que remova s corrosão existente e, que ao mesmo tempo, sirva de boa base para aplicação dum verniz protector e decorativo. Um fabricante de tintas e vernizes, dirá como se fará e quais os produtos a aplicar.
Nos maus tempos de menino, ir da Chã a Alvares era quase como fazer hoje uma grande viajem.
Gerava entusiasmo e fascínio. Vestia-se o melhor fatito, calcorreavam-se 3 km e comprava-se um quarto de pão no sr. Baeta. As raparigas, à entrada da recta, escondiam-se atrás dumas moitas e aperaltavam-se. Mais tarde já adolescente, não dispensava o meu banho quase diário no poço da "Maquia", seguido de lanche no ti Raul padeiro e regresso à Chã na camioneta do Adelino Pereira Marques. Para baixo, na hora do calor, tínhamos vindo no carro do Armando (um bocadinho a pé, um bocadinho andando).
Por tudo isto, gosto de ver a minha freguesia bonita e arranjada - não que esteja em desalinho.
Valdemar F. Tomé
in Jornal de Arganil, de 22/11/2007

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1 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Os meus pais sao da freguesia e eu sempre passei ai ferias. Para mim Alvares era so a vila. Mas por um infeliz acaso da vida passei a ter uma forte ligacao com Alvares atravez do cemiterio.E devo dizer que o portao sempre me impressionou porque apesar de velho olhando para ele transmite qualquer coisa de especial talvez por ser ornamentado e ter aquelas caveiras.Fico muito satisfeita por haver outras pessoas que se interessao em preservar os simbolos do passado que sao a nossa heranca cultural.

17 dezembro, 2007 20:40  

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