Crónica duma morte evitável
O propósito deste artigo é apenas o de, através da divulgação duma situação dramática ocorrida recentemente envolvendo a morte de uma habitante do concelho de Góis, contribuir para a correcção dos procedimentos e condutas dos serviços e dos profissionais do sector da saúde na nossa região por forma a garantir a prestação de cuidados de saúde de que as nossas populações carecem.
No passado dia 28 de Janeiro, a D. Maria Nunes Domingos, pessoa de 72 anos, residente em Relva da Mó, da freguesia de Alvares, do concelho de Góis, sentindo-se bastante mal, com falta de ar e forte irregularidade dos batimentos cardíacos, dirigiu-se, na companhia dum filho, ao Centro de Saúde de Góis, pelas 11 horas. Aí foi atendida pelo Dr. José Alberto Faria, o qual lhe prescreveu a realização de tratamento com aplicação de aerossóis, receitou-lhe comprimidos e mandou-a de volta a casa, dizendo-lhe que «aquilo passava».
Infelizmente não passou.
Com efeito, mais tarde, nesse mesmo dia, já depois de regressar a casa, como a D. Maria Nunes Domingos não apresentava melhoras continuando a manifestar enorme dificuldade respiratória, foi decidido contactar os Bombeiros de Alvares que enviaram ao local uma ambulância dessa corporação de bombeiros, mas apenas com um único tripulante: o respectivo motorista. Uma vez que a D. Maria Nunes Domingos não estava em condições de se deslocar pelos seus próprios meios, foi necessário utilizar uma maca, o que aliás teria sido impossível de realizar pelo único bombeiro que se deslocou ao local. Valeu na altura o facto de ali se encontrava o meu irmão.
A ambulância encontrava-se aparentemente equipada de modo a permitir a aplicação de medidas de suporte básico de vida destinadas à estabilização e transporte de doentes necessitados de assistência durante o transporte. Concretamente, no interior da ambulância encontravam-se três garrafas de oxigénio que poderiam auxiliar a crítica função respiratória da doente. O motorista da ambulância tentou então ministrar oxigénio à doente para a auxiliar nas suas desesperadas tentativas de respirar. Todas essas garrafas de oxigénio, porém, encontravam-se vazias!
Resultado: pouco depois de iniciado o transporte para o Centro de Saúde de Góis, a D. Maria Nunes Domingos falecia nos braços do seu marido...
Quem escreve este artigo é um dos filhos da falecida D. Maria Nunes Domingos, que não consegue esconder a dor que a inesperada perda de sua mãe lhe causa. Mas que também não pode calar a sua frustração por verificar que a súbita morte da sua mãe, provavelmente não teria ocorrido, se:
a) No Centro de Saúde de Góis tivesse sido devidamente diagnosticada a doença que em breves horas levaria a sua mãe à morte e, como certamente se impunha, ela tivesse sido prontamente encaminhada para o Hospital de Coimbra;
b) As malfadadas garrafas de oxigénio da ambulância contivessem nem que fosse uma réstia desse precioso gás, que porventura teria podido conservar a vida da sua mãe, por mais alguns poucos minutos, até alcançar o Centro de Saúde de Góis, onde, penso que existiriam outros meios de socorro.
O resultado principal está à vista: a morte da D. Maria Nunes Domingos. Mas outra consequência se produziu: a extinção de mais uma aldeia.
Na verdade, a Relva da Mó apenas tinha como residentes os meus pais. Tendo desaparecido a minha mãe nas trágicas condições descritas, o meu pai teve que sair da aldeia para passar a residir em Lisboa na companhia dos seus filhos.
Espera-se com o presente desabafo, por um lado, alertar as entidades competentes para a necessidade de vigiar de perto o modo de funcionamento dos serviços de saúde, seja a nível dos Centros de Saúde, seja a nível do transporte de doentes. Mas pretende-se, também, que os habitantes e naturais da nossa região não se resignem a aceitarem as deficiências de funcionamento dos serviços e entidades em causa como urna fatalidade e antes passem a exigir deles o atendimento e a qualidade do serviço a que todos os cidadãos têm direito. Caso contrário, a nossa região jamais conseguirá criar condições para conservar e muito menos para atrair as pessoas mais jovens restando-lhe apenas aguardar placidamente a sua passagem ao estatuto de deserto humano...
Paulo Jorge Domingos Lopes
in O Varzeense, de 15/03/2007
No passado dia 28 de Janeiro, a D. Maria Nunes Domingos, pessoa de 72 anos, residente em Relva da Mó, da freguesia de Alvares, do concelho de Góis, sentindo-se bastante mal, com falta de ar e forte irregularidade dos batimentos cardíacos, dirigiu-se, na companhia dum filho, ao Centro de Saúde de Góis, pelas 11 horas. Aí foi atendida pelo Dr. José Alberto Faria, o qual lhe prescreveu a realização de tratamento com aplicação de aerossóis, receitou-lhe comprimidos e mandou-a de volta a casa, dizendo-lhe que «aquilo passava».
Infelizmente não passou.
Com efeito, mais tarde, nesse mesmo dia, já depois de regressar a casa, como a D. Maria Nunes Domingos não apresentava melhoras continuando a manifestar enorme dificuldade respiratória, foi decidido contactar os Bombeiros de Alvares que enviaram ao local uma ambulância dessa corporação de bombeiros, mas apenas com um único tripulante: o respectivo motorista. Uma vez que a D. Maria Nunes Domingos não estava em condições de se deslocar pelos seus próprios meios, foi necessário utilizar uma maca, o que aliás teria sido impossível de realizar pelo único bombeiro que se deslocou ao local. Valeu na altura o facto de ali se encontrava o meu irmão.
A ambulância encontrava-se aparentemente equipada de modo a permitir a aplicação de medidas de suporte básico de vida destinadas à estabilização e transporte de doentes necessitados de assistência durante o transporte. Concretamente, no interior da ambulância encontravam-se três garrafas de oxigénio que poderiam auxiliar a crítica função respiratória da doente. O motorista da ambulância tentou então ministrar oxigénio à doente para a auxiliar nas suas desesperadas tentativas de respirar. Todas essas garrafas de oxigénio, porém, encontravam-se vazias!
Resultado: pouco depois de iniciado o transporte para o Centro de Saúde de Góis, a D. Maria Nunes Domingos falecia nos braços do seu marido...
Quem escreve este artigo é um dos filhos da falecida D. Maria Nunes Domingos, que não consegue esconder a dor que a inesperada perda de sua mãe lhe causa. Mas que também não pode calar a sua frustração por verificar que a súbita morte da sua mãe, provavelmente não teria ocorrido, se:
a) No Centro de Saúde de Góis tivesse sido devidamente diagnosticada a doença que em breves horas levaria a sua mãe à morte e, como certamente se impunha, ela tivesse sido prontamente encaminhada para o Hospital de Coimbra;
b) As malfadadas garrafas de oxigénio da ambulância contivessem nem que fosse uma réstia desse precioso gás, que porventura teria podido conservar a vida da sua mãe, por mais alguns poucos minutos, até alcançar o Centro de Saúde de Góis, onde, penso que existiriam outros meios de socorro.
O resultado principal está à vista: a morte da D. Maria Nunes Domingos. Mas outra consequência se produziu: a extinção de mais uma aldeia.
Na verdade, a Relva da Mó apenas tinha como residentes os meus pais. Tendo desaparecido a minha mãe nas trágicas condições descritas, o meu pai teve que sair da aldeia para passar a residir em Lisboa na companhia dos seus filhos.
Espera-se com o presente desabafo, por um lado, alertar as entidades competentes para a necessidade de vigiar de perto o modo de funcionamento dos serviços de saúde, seja a nível dos Centros de Saúde, seja a nível do transporte de doentes. Mas pretende-se, também, que os habitantes e naturais da nossa região não se resignem a aceitarem as deficiências de funcionamento dos serviços e entidades em causa como urna fatalidade e antes passem a exigir deles o atendimento e a qualidade do serviço a que todos os cidadãos têm direito. Caso contrário, a nossa região jamais conseguirá criar condições para conservar e muito menos para atrair as pessoas mais jovens restando-lhe apenas aguardar placidamente a sua passagem ao estatuto de deserto humano...
Paulo Jorge Domingos Lopes
in O Varzeense, de 15/03/2007
Etiquetas: relva da mó
2 Comments:
Sem mais comentários: tudo isso é muito triste.
É o prato do dia em Góis. Desde médicos que ''escapam'' à urgência para ver o Benfica a jogar na televisão de um café, enfermeiros com medo de os chamar e ao outro dia é ir para as urgencias dos HUC para internamento. Retrato do país em que vivemos.
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